domingo, 6 de dezembro de 2015

A luta é contra o golpe.

Não há meio termo. Não há muro. A tentativa de impeachment de Dilma Roussef é golpe. Não há outra definição para a estratégia que une as forças políticas mais conservadoras do país. Alguns, como FHC, já haviam jogado suas biografias no lixo. Na atualidade apenas atiram as últimas pás de terra sobre elas. É o golpe dos entreguistas, dos que se comprazem com uma nação subordinada aos interesses dos EUA, dos que não querem negros(as) nas universidades, dos que acreditam que lugar de pobre é quele onde os ricos não frequentam, dos oportunistas, dos fascistas, dos que odeiam o feminismo, dos que preferiam que os índios já tivessem desaparecido da face da terra, dos que querem voltar aos tempos da casa grande e da senzala, dos que só confiam no poder das armas (do militarismo), dos que detestam GLBTs, dos que se opõem aos direitos humanos.

Entretanto, é preciso dizer claramente que a forma como o PT vem exercendo o poder nos últimos anos, não somente através do executivo federal, colocou as lutas de resistência sob a perspectiva histórica da esquerda numa situação bastante delicada. A elite petista se tornou parte das elites dominantes do país. Sua estratégia de alianças acabou reforçando o modelo político vigente: corrupto, e plutocrata (onde o poder do dinheiro é que comanda o exercício do poder). O modelo de desenvolvimento adotado reforçou nossa dependência externa, posto que fundada na exploração e exportação intensiva de recursos naturais. Problemas estruturais não foram enfrentados pelos governos petistas: a concentração da terra, do exercício do poder político, dos meios de comunicação e da riqueza, As bases sob as quais a ditadura civil-militar se manteve no Brasil permanecem intactas 30 anos depois da "redemocratização" do país.

Apesar de tudo isso, apoiar mesmo que indiretamente a estratégia conservadora de impeachment é atentar contra a própria resistência popular que ora segue neste país, com percalços e algumas vitórias. Não tem jeito: é ir às ruas e barrar o golpe, pois é disso que se trata. Da nossa parte, não sairemos em defesa do governo, mas pela garantia de um "ambiente democrático" para continuarmos lutando. Isso é o que nos interessa. Contudo, não podemos perder a oportunidade para qualificarmos nossas plataformas e agendas de luta. Eis algo que precisamos dedicar especial atenção.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A tolerância com a intolerância gera mais intolerância.

Tempos difíceis. Jovens fazem loas à ditadura militar, acusam o governo federal de comunista e os defensores dos direitos humanos de fazerem o jogo dos bandidos. O motivo: uma questão da prova do ENEM que fazia referência ao livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, publicado em 1949, a fim de tratar do grave problema da violência contra a mulher no Brasil. Argumentos absurdos e estúpidos se materializaram em bites,tinta, desenhos, vídeos e áudios. Alguns pregaram raivosamente a desideologização da educação, outros denunciaram a ameaça à liberdade de pensamento. Os mais criativos, porém, alertaram para o complô em andamento no intuito de implantar no Brasil uma não explicada e enigmática ditadura bolivariana. Tais indivíduos se mostram ignorantes, no sentido pleno da palavra, a algo fundamental: o machismo mata! O machismo não é um recurso de retórica, um mal entendido entre homens e mulheres, tampouco uma "brincadeirinha". Machismo é uma forma de poder, de dominação, de controle de homens sobre as mulheres. E em muitos casos, infelizmente, se transforma em crime da pior espécie. Desconhecer isso é viver numa realidade paralela, a-histórica, sem nexo com a realidade.

Para combater as ações da bancada evangélica no Congresso Nacional que, aliada às "bancadas da bala e do boi", denominada de BBB, vêm aprovando um conjunto de leis retrógradas, que atentam contra os direitos das mulheres, dos praticantes das religiões de matriz africana, dos povos indígenas e populações tradicionais, entre outros, segmentos sociais considerados progressistas incorrem algumas vezes na mesma lógica de intolerância. Abundam na internet mensagens, artigos, piadas etc., identificando os evangélicos como o mal encarnado. Contudo, é um absurdo acreditar que Silas Malafaia, Edir Macedo, Marcos Feliciano, Evaldo Pereira e Valdemiro Santiago falem em nome de todos.

Em São Paulo o ódio ao PT faz com que ciclistas sejam chamados de comunistas por motoristas descontentes em perder espaços nas ruas; que a mídia corporativa, parte da população e o Ministério Público Estadual vociferem contra o fechamento da Avenida Paulista aos domingos para o lazer de muitas famílias, mas que se mantêm "comportadas" quanto ao fechamento de centenas de escolas públicas por parte do governo estadual, bem como que a administração municipal seja violentamente atacada por implementar dispositivos do Estatuto da Cidade para coibir a especulação imobiliária. Ou seja, algo que é fundamental para o bem-estar de toda a população é combatido por conta de uma visão distorcida e retrógrada da luta política.

Seria possível citarmos uma quantidade enorme de exemplos. Todavia, o que nos interessa tão somente é sublinhar o perigo que nos ronda neste momento. A disseminação de ideias e comportamentos intolerantes no cotidiano da sociedade, devidamente alimentada pelas frações dominantes para legitimar suas iniciativas e interesses particulares. O medo, essa arma poderosa, vem sendo utilizada com maestria para que tais fins sejam atingidos.

Sem a intenção de abarcar todas as possíveis características do pensamento e do agir intolerantes, apresentamos abaixo o passo a passo do "intolerante  fashion", bem sucedido. Ou, os dez mandamentos dos BBBs:
  1. Identifique precisamente o segmento social a ser considerado inimigo: negros(as), indígenas, petistas, comunistas, evangélicos, umbandistas, mulheres, homossexuais ou outros.
  2. Identifique esses segmentos com os males que atingem a todos.
  3. Ressalte seus pontos negativos, mesmo que tenham que ser forjados e martele-os diuturnamente, principalmente pelos meios de comunicação de massa.
  4. Reconstrua o passado e torne o presente como algo excepcional. Exemplo: "nunca houve tanta corrupção como agora".
  5. Apresente-se como a única solução possível.
  6. Generalize, generalize sempre. Não apresente nada muito concreto. A superficialidade é essencial para construir um discurso que atinja a todos. Cada um deve pensar que você está falando diretamente a ele/ela.
  7. De vez em quando lance as mais loucas ideias ou faça o discurso mais agressivo. As palavras e a tonalidade com que são expressas rendem bons dividendos.
  8. Faça o uso intensivo de estatísticas. Números, mesmo quando falseados, passam a ideia de domínio, de segurança.
  9. Mostrar-se como uma pessoa religiosa, defensora dos bons costumes e da família, ou mesmo da pátria, ajuda bastante.
  10. Diga aos quatro ventos que você odeia a política, os políticos, o sistema e o governo. Isso é tiro e queda. A despolitização da política é o combustível de todos os mandamentos anteriores.
Por fim, segue uma poesia que fiz num momento de pessimismo da razão, mas de otimismo na vontade. Como assinalou certa vez Gramsci. Os/As intolerantes que me perdoem...



quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Fico pensando...

Defendo o ponto de vista de que uma das grandes diferenças históricas entre a estratégia petista para alçar essa parcela de poder que é o executivo federal e as anteriores realizadas por partidos ou forças políticas de esquerda é que na primeira, além de ter conseguido "chegar lá", reside o fato de que o PT, seus dirigentes e grupos que controlam efetivamente o partido, passaram a se constituir em parte das elites dominantes no país. Nas experiências anteriores da esquerda, imersas na ideia de apoio a uma burguesia nacional não-imperialista, de luta contra um modelo feudal ou na convicção de que o país deveria passar por um "choque" capitalista, as forças de esquerda sempre estiveram a reboque, caudatárias mesmo, de poderosos grupos políticos e econômicos do Brasil e do exterior.

Com o PT a situação é diferente. Recomendo o leitura do livro escrito pelo uruguaio Raul Zibeck, intitulado Brasil Potência. Nele está registrado de modo muito interessante como o PT se preparou para chegar ao poder. O papel dos fundos de pensão na modernização do capitalismo brasileiro e o controle sobre eles exercido pelo partido, as mudanças ocorridas no mundo sindical, particularmente daquele segmento próximo ao PT, o controle da máquina governamental e por aí vai. Paulatinamente, ao longo dos anos, a elite petista, não dá pra estender isso ao conjunto da militância, passou a se constituir em parte orgânica da elite dirigente do país, as "classes dominantes". Essa é a diferença com processos pretéritos. Daí o porquê hoje é muito difícil contar com o apoio do partido às lutas contra o modelo neoextrativista de desenvolvimento, ou à expansão desenfreada de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia. Dai ser cada vez mais difícil afirmar que ainda estamos do mesmo lado.

Entretanto, por mais contraditório que possa parecer, não é possível afirmar também que PT e PSDB são a mesma coisa. Não são. Há diferenças substanciais que precisam ser reconhecidas sob o risco de ignorarmos a complexidade do real. Por exemplo: O que seria do governo Morales (Bolívia) durante a retomada do controle do setor petroleiro num governo Aécio Neves? Ou as relações do nosso país com a Venezuela? Ou ainda com os Estados Unidos no que diz respeito à "guerra contra o terrorismo"? Na dimensão interna, o que seria da política de cotas? Haveria política de cotas? Em princípio isso pode parecer apenas penduricalhos diante da aplicação da ortodoxia macroeconômica, mas são mesmo questões insignificantes?

Por outro lado, há também confusão no que diz respeito ao nosso posicionamento em relação às tentativas da oposição de provocar o impeachment de Dilma Roussef. A defesa da democracia e de suas instituições - incluídas as nossas instituições como sindicatos, associações, fóruns, ONGs etc. - não é a defesa do governo. Ao nos posicionarmos contra o golpe desencadeado por forças conservadoras xenófobas, racistas e fascistas não estamos nos posicionando a favor do PT e seu bloco de poder, pois o que está em jogo não é o mandato presidencial, mas, fundamentalmente, o "ambiente" sob o qual queremos desenvolver as nossas lutas de resistência. Particularmente estou anos-luz de distância da concepção de que as crises levam necessariamente a uma situação melhor, em que o "povo assume as rédeas de seu destino". Os processos ocorridos no Egito e em outros países que passaram por intensas mobilizações a partir de 2010 no mínimo levantam dúvidas sobre tal ponto de vista. Isto ocorre justamente porque a "história é um livro em aberto". Ou seja, nada está dado de antemão. Podemos tanto avançar para uma situação qualitativamente melhor, como podemos regredir a uma situação de barbárie.

Então, temos que abrir mão das mobilizações e das iniciativas de reconstruir um bloco de esquerda no Brasil? Não! O PT e alguns de seus aliados não se colocam mais na perspectiva de destruir o capitalismo. Nessa questão fundamental já não comungamos das mesmas perspectivas. Contudo, se for preciso ir às ruas para lutar contra o impeachment lá estarei porque, como disse, o que está em jogo é muito mais que um mandato.

Fico imaginando cá com os meus botões o que teria acontecido se os comunistas e os sociais-democratas tivessem se unido contra os nazistas a partir do final da década de 1920. Não tem relação direta com o que foi escrito acima. Só fico pensando... Será?


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A "ética" pela metade. Ou a "ética" utilitária.

Ao olhar a grande quantidade de mensagens que circula pela internet criticando duramente a corrupção em nosso país chama atenção a seletividade dos questionamentos. De um lado, setores conservadores que querem o rompimento da ordem legal, exigindo a volta dos militares ao poder em nome "da família e da democracia", que acusam o governo federal e seus aliados de estarem envolvidos nos "piores escândalos de corrupção da história brasileira", são os mesmos que em cartazes afirmam que sonegação não é crime. Ou seja, defendem o questionável ponto de vista de que sonegar entre R$ 300 e R$ 400 bilhões de reais por ano é uma atitude normal já que, segundo eles, o Estado brasileiro e "inchado" e políticas sociais como o Bolsa Família são apenas estratégias de dominação dos setores "comuno-petitas" para se manterem no poder. São os mesmos que fecham os olhos para as maracutaias de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, não batem panelas de seus apartamentos contra a corrupção do PSDB, do DEM, PPS e outros partidos que pregam o impeachment da presidenta Dilma Roussef, se opõem às cotas para estudantes negros(as), pregam diuturnamente que direitos humanos é só pra defender bandidos, que vivemos numa ditadura bolivariana e por aí vai. Jogam para debaixo do tapete o fato de que durante a ditadura civil-militar que dominou o país a partir do golpe de 1964 era simplesmente impossível realizar qualquer denúncia contra a corrupção dos poderosos de plantão. Certa vez o jornalista Lúcio Flávio Pinto publicou matéria em que citava uma afirmação de Delfim Neto, ex-todo poderoso da economia, de que somente na construção da hidrelétrica de Tucuruí foram desviados mais de R$ 1 bilhão de reais. Daí o ódio dos conservadores pela história, tentando a todo custo reinterpretá-la para atender aos seus interesses mesquinhos e autoritários. Ou alguém esqueceu da "ditabranda"? Esses setores amam a Operação Lava-Jato, mas odeiam a Zelotes, justamente a que coloca na mira da lei algumas das maiores fortunas do país por crime de sonegação.
De outro lado, porém, há segmentos sociais - entre eles os/as próprios(as) petistas - para quem o PT e seus aliados são meras vítimas da perseguição de poderosas elites golpistas que querem reconquistar a presidência da República. Para eles não houve corrupção na Petrobrás e em outras empresas estatais, o BNDES não foi utilizado como ferramenta para favorecer poderosos grupos empresariais brasileiros e transnacionais, conformando oligopólios em diferentes segmentos da economia; o partido não se beneficiou de esquemas de desvio de recursos públicos para garantir-se nas eleições e nem renegou bandeiras históricas de luta dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as). Afirmar o contrário é correr o risco de ser lançado à fogueira como um membro da direita.

Em ambos os casos a ética serve apenas como uma ferramenta da disputa político-ideológica, muitas vezes para justificar o injustificável. Nesse contexto a ética enquanto valor importante para a vida em sociedade definha a ponto de se tornar uma peça, cuja utilidade obedece ao cálculo político pragmático onde o conjunto perde em benefício de alguns "abençoados". Cunha não nos deixa mentir.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

A falácia da integração da Amazônia.

Historicamente a Amazônia tem sido compreendida como uma região apartada do Brasil. Uma área que precisava e ainda precisa vincular-se ao restante do território nacional. Mesmo depois da proclamação da independência, em 1822, a Amazônia manteve contato regular com Portugal, diferentemente do que acontecia com a capital do império, o Rio de Janeiro. Por outro lado, a deflagração da Revolução Cabana (a Cabanagem) foi em grande medida uma ação contra o predomínio dos interesses portugueses, mesmo após a independência. Somente após a década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder e, especialmente, a partir da década de 1950, é que a Amazônia passou a fazer parte efetivamente das preocupações do planejamento governamental. A partir de então vieram o Banco da Amazônia, a Zona Franca de Manaus, a Belém-Brasília, a Transamazônica, a hidrelétrica de Tucuruí e outras grandes obras de infraestrutura. Também foram criadas facilidades de todo tipo para a instalação de empresas na região e o controle de vastas extensões de seu território a grupos econômicos do Brasil e do exterior.


Como cimento a moldar os discursos oficiais e a justificar as políticas governamentais está justamente a integração. Ocorre, porém, que a Amazônia jamais foi efetivamente integrada. O que ocorre ao longo da nossa história é a sistemática incorporação compulsória de parcelas da região às demandas mercantis exógenas à mesma. Não estamos diante de um mero jogo de palavras. Nós, amazônidas, não estamos sendo reunidos ao conjunto da nação, tampouco nos tornamos parte de algo inteiro, enfim, equilibrado. Nossa incorporação compulsória se dá em meio ao aprofundamento do fosso que nos separa das demais regiões do país. É uma incorporação que se dá através do aprofundamento do desequilíbrio. Os indicadores sociais amazônicos são terríveis, e mesmo as estratégias desenvolvimentistas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não resultam em melhoria substancial de tais indicadores. Características que nos foram impostas ao longo da nossa história continuam a se constituir em referências para as ações governamentais e empresarias nestas paragens: vazio demográfico, área pobre em capacidade empreendedora, atrasada, baú de recursos naturais, selvagens, preguiçosos etc.

Integrar, a meu ver, significa a constituição de novos parâmetros de relações, estas calcadas em pressupostos assentados na solidariedade, no enfrentamento das desigualdades, no combate às assimetrias, no respeito à diversidade dos modos de vida e de saberes, no fortalecimento da democracia e de suas instituições, no mútuo reconhecimento. Todavia, até hoje, nada foi feito neste sentido, seja pelos governos ou grupos econômicos. Então, é preciso desconstruir a falácia da integração da Amazônia. Até hoje temos sido tão somente o lugar muito, muito distante, bastante falado e mal conhecido, onde "tudo o que se planta dá", desde que seja exportado. Enquanto a Amazônia permanecer confinada ao Ministério do Meio Ambiente; os executivos, legislativos e judiciário  comprometidos com o atendimento dos interesses do grande capital e ser vista apenas pela ótica ambiental - e não socioambiental - poucas mudanças significativas efetivamente ocorrerão.

domingo, 12 de abril de 2015

A roda está girando....

Os segmentos conservadores da sociedade comandam atualmente a agenda nacional e explodem em discursos genéricos e inflamados contra a corrupção, o impeachment e a volta da ditadura militar no Brasil. Tais "bandeiras", porém, evidenciam que os setores envolvidos nessas mobilizações encontram-se também divididos internamente. Por outro lado, não podemos generalizar essas manifestações a ponto de caracterizar todas as pessoas envolvidas como fascistas. Isto porque há um expressivo contingente da população realmente frustrado com os rumos do país, inclusive parcela beneficiadas pelas políticas governamentais, mas que por diferentes motivos aderiram facilmente às estratégias golpistas das corporações midiáticas, de alguns partidos políticos - o DEM, o PSDB e o PPS, em particular -, do setor financeiro, parte do agronegócio e do judiciário etc.

Um fato positivo nesse processo todo tem sido a retomada do diálogo entre movimentos sociais, ongs e partidos políticos que se colocam contrários a qualquer retrocesso democrático em nosso país. Evidentemente, esses segmentos também apresentam divergências internas significativas. Contudo, é interessante perceber as variadas iniciativas em andamento que colocam lado a lado a diversidade das forças de resistência. Algo que não ocorria há muito tempo, ao menos na dimensão com que acontece hoje. Vide a mobilização da intelectualidade no debate sobre um novo projeto nacional, ou o conjunto de forças políticas que apoiam as lutas de povos indígenas e comunidades tradicionais em defesa de seus territórios. Quais os desdobramentos futuros dessas articulações? Irão resultar na constituição de novas frentes de luta? Estamos iniciando um novo processo de mobilização das forças populares de esquerda? Plataformas conjuntas de luta irão se consolidar? Ainda é cedo para responder afirmativamente. Mas a roda voltou a girar com mais força.

E nós amazônidas? Como nos colocamos nesse processo?

terça-feira, 7 de abril de 2015

Quem se deixa dirigir por verdades absolutas não se deixa incomodar por razões*

Recentemente meu filho me mostrou um diálogo realizado no grupo de whatsapp que congrega colegas do seu curso na universidade. O tema em questão era a proposta de redução da maioridade penal. O que chamava atenção era o caráter extremamente conservador dos argumentos, algumas vezes acompanhados de apologia à violência contra menores. Os participantes do dito diálogo devem estar na faixa dos 18 a 21 anos. Por que pessoas tão jovens aderem cada vez com maior facilidade a teses de cunho autoritário? Evidentemente não há uma resposta única a essa questão tão complexa. Vou arriscar algumas.

Uma das características desse momento histórico que vivemos - e não me refiro somente ao Brasil - é de afirmação de um pensamento que criminaliza a política. É o que alguns denominam de a despolitização da política. Segundo esse ponto de vista, a política é compreendida como algo suja, corrupta e que só causa males ao país. Daí alguns defenderem o fechamento do parlamento, a volta da ditadura ou a extinção de partidos políticos. A política, sob essa perspectiva, é reduzida à sua dimensão institucional, marcadamente as eleições em todos os níveis. Nesse caso, o próprio ser humano é esvaziado, já que este deixa de existir como ser essencialmente político e passa a ser encarado como um ente idealizado, abstrato, irreal, que pode viver em sociedade sem o exercício da política. Para a afirmação desta ideia na sociedade os meios de comunicação sob controle de oligopólios batem diuturnamente na tecla de que o Estado e seus agentes públicos são corruptos por natureza, e de que a luta social desencadeada por partidos de esquerda, movimentos sociais, grupos pastorais, ONGs e outros é realizada somente por conta de interesses mesquinhos desses "nada representativos" segmentos da sociedade. Tal ideia difundida ininterruptamente vai ganhando adeptos e agora irrompem em mobilizações fascistas. Ora, quem verdadeiramente se beneficia da despolitização da política? No Brasil, em vez de debatermos a mudança estrutural de nosso modelo de desenvolvimento - altamente concentrador, promotor de desigualdades e da degradação ambiental em larga escala - e de nossa representação política - onde as grandes corporações empresariais-financeiras é que verdadeiramente elegem a maioria das bancadas parlamentares e dos membros dos executivos -, onde o judiciário é o poder da República que se mantém impermeável à transparência de seus atos e ao controle social, bem como onde em vez de liberdade de imprensa temos somente a liberdade das empresas de comunicação, é mais fácil reduzir todos nossos males a esse ou aquele parlamentar, a esse ou aquele governante, a esse ou aquele partido. Nunca é demais lembrar que alguns dos piores regimes autoritários do século XX - o nazismo e o fascismo - conquistaram grandes massas de apoiadores a partir do uso inteligente do discurso criminalizador da política e de culpabilização de determinados segmentos sociais pelos males das nações (judeus, comunistas, socialistas etc.). Agora são os negros, os latinos, o islã, os árabes, os africanos, os menores de 16 anos etc.


A desconstrução da democracia é outro elemento a ser considerado no debate aqui proposto. De um lado, a democracia brasileira sequer foi capaz de nos fazer romper com determinadas estruturas herdadas de um passado não tão longínquo: a concentração da terra e da renda, o monopólio da informação e o controle da representação política. As disputas eleitorais no Brasil, por exemplo, parecem ter se tornado meras formalidades dado que o tripé citado acima permanece incólume. E agora, com um Congresso Nacional ainda mais conservador, essa situação tende a se agravar. De outro, presenciamos um esvaziamento político de instrumentos importantes de participação e de controle social (conselhos, conferências e outros), aliado ao fato de que há um fosso crescente entre representantes e representados(as), fazendo com que os últimos se sintam alijados dos debates e das decisões e, em consequência, desinteressados pela política; situação agravada com o pipocar constante de novos escândalos de corrupção. Apesar de não concordar inteiramente com a conclusão a que chega, vale citar o que escreveu recentemente o novo ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, sobre a questão da representação política no Brasil:

Representar não é só um expediente prático para nos dispensar, nós eleitores, da chatice que é ir a Brasília. Benjamin Constant, em 1819, fez o grande elogio liberal da representação: pobres fazem tudo pessoalmente, homens ricos têm quem o faça por eles. Representação é um conforto para o representado. O deputado, e até mesmo o ministro, seriam como despachantes. Antes fosse assim! Ele errou, em seu otimismo. O eleito não é um funcionário prestativo que faz o que lhe pedimos. Ele porta um cheque em branco que usa a seu arbítrio. Alguém votou no PT para ter o mensalão? No PSDB para ter o escândalo dos trens paulistas? Claro que não.
Que alternativas temos? Talvez só paliativas. Aumentar a transparência, diminuir a burocracia, ativar o prazer de estar com o outro... Um misto de medidas políticas e administrativas e até mesmo de terapia e autoajuda (Artigo Crítica à representação, Revista Filosofia, n° 104).
No Brasil, o que as elites dirigentes pretendem é estabelecer uma espécie de democracia pelo consumo. Portanto, algo perfeitamente assimilável pelo e através do mercado. Em si mesma tal perspectiva é excludente, pois jamais todos(as) teremos as mesmas condições de consumo numa sociedade capitalista, fundada justamente na reprodução infindável de desigualdades de diferentes tipos. E nem o planeta suportará a ampliação exponencial do consumo.

Outra característica é a metódica utilização do medo como arma de enfraquecimento e/ou desmantelamento da luta social, das opiniões divergentes e da oposição política. Com relação a isto talvez o melhor exemplo seja a guerra ao terror proclamada pelo ex-presidente Bush após os atentados contra as torres gêmeas, em setembro de 2001. Utilizando-se com maestria da comoção mundial, e particularmente dos estadunidenses, o establishment - em particular os falcões militares - dos Estados Unidos lançaram-se com ferocidade contra o Iraque sob mentirosos argumentos de que aquele país possuía armas de destruição em massa. Mais uma vez a mídia oligopolizada exerceu papel fundamental para angariar apoio mundial à estratégia de ataques preventivos presente na nova doutrina de segurança nacional do Tio Sam. No Brasil, um exemplo importante é o debate sobre a redução da maioridade penal. Em que pese todos os indicadores demonstrarem que o número de crimes cometidos por jovens abaixo de 18 anos ser muito pequeno, percentualmente insignificantes - como no caso do estado de São Paulo -, estes se tornaram o grande inimigo a ser combatido a fim de garantir "o bem estar e a segurança da sociedade". O medo empregado para impedir o debate sobre os verdadeiros problemas da criminalidade, e impedir a identificação dos responsáveis pela violência que assola as cidades brasileiras - entre as quais a corrupção, a sonegação, a concentração de renda, o racismo, o patriarcado, a despolitização da política, o modelo de desenvolvimento etc.

 Vivemos ainda numa democracia capenga que, entre outras consequências negativas, incute e fortalece nos jovens a ideia de que a política não leva a nada de bom. Por conseguinte, tornam-se alvos relativamente fáceis de setores avessos à própria democracia. E a forma como o debate acerca da maioridade penal foi realizada pelos amigos do meu filho é apenas a ponta do iceberg de um processo mais profundo e perigoso, pois relega valores fundamentais como a solidariedade e o direito à vida a um plano secundário, além de colocar em xeque o nosso sentido de humanidade.

* O título dessa postagem foi retirada do interessante artigo intitulado Ideologia para quem precisa..., do professor Flávio Paranhos (Revista Filosofia, n° 104).

sexta-feira, 27 de março de 2015

De suposto em suposto....

Hoje pela manhã me deparei com uma matéria no UOL intitulada Suposto primo de governador tucano é indiciado no Paraná. Confesso que fiquei estático por uns segundos. Suposto primo? Como assim? Vaguei pelos labirintos dos meus pensamentos. O dever do bom jornalismo não é apurar os fatos? Pelo menos é o que sempre ouço falar. Não deveriam ter checado se o dito cidadão é ou não primo do governador Beto Richa? Aliás, para a matéria do UOL o governador do Paraná não tem nome. O indiciado é acusado de integrar uma organização criminosa que, segundo o Ministério Público, fraudava licitações e incorria em falsidade ideológica. Em Londrina, o indiciado é conhecido por todos como "o primo do Richa".

Beto Richa
Ao continuar a ler a matéria somos informados que o juiz da Vara de Execuções Penais determinou que o "primo do Richa", ou "suposto" ao UOL, fosse transferido para o quartel do Corpo de Bombeiros "porque o parentesco com o governador poderia colocar sua segurança em risco num estabelecimento prisional". A matéria ainda nos brinda com as expressões "suposto esquema" para fraudar licitação e "concorrência supostamente direcionada". De fato, o "suposto primo" do governador do Paraná pode nem ser parente do chefe do Executivo. Contudo, o que chama atenção é a preocupação do UOL de oferecer ao indiciado o benefício da dúvida, coisa que nem de perto ocorre quando os acusados são adversários do PSDB, principalmente petistas e integrantes de movimentos sociais. Nesse caso, qualquer denúncia assume a condição de prova irrefutável e manchetes garrafais.

Uma observação final: foi comprovado recentemente que a assessoria do governador Beto Richa "apagou" a presença do "suposto primo" numa das fotos em que ele aparecia na sala do chefe do Executivo. Isto prova que Stalin tem seguidores até hoje.

De suposto em suposto a mídia corporativa mostra o seu rosto....

terça-feira, 17 de março de 2015

Não devemos ser completamente contemporâneos do nosso tempo

Giorgio Agamben
Nos diz o filósofo italiano Giorgio Agamben que não podemos ser completamente contemporâneos do nosso tempo. Como podemos entender essa afirmação? Nosso tempo atual é o tempo da financeirização das relações sociais e da própria vida. O tempo da biotecnologia e da internet. A primeira evidencia a possibilidade de o domínio da cadeia do DNA propiciar desde a solução de inúmeras doenças até a produção de "armas étnicas" que sejam capazes de matar milhares (ou milhões) de pessoas pertencentes a um determinado povo que se queira eliminar; ou ainda destruir a diversidade de sementes existentes no planeta a fim de que um número minúsculo de poderosas corporações tenham o controle completo da produção de alimentos. A segunda, por sua vez, permite a diversos grupos sociais historicamente excluídos não somente se fazerem conhecidos, mas também terem suas demandas publicizadas, como também o contraponto à concentração da informação por parte da mídia corporativa, esta sob o controle de poucas famiglias. Contudo, a internet também é o instrumento que viabiliza o "cassino global" durante as 24 horas do dia, de todos os dias dos anos. É ainda o tempo das profundas e aceleradas transformações dos territórios, da "caça" insaciável do capital transnacional por novas áreas ricas em recursos naturais, que propiciem a acumulação acelerada e em larga escala, em detrimento e à revelia de povos indígenas e comunidades tradicionais. É o tempo da matematização daquilo que é intangível ou que simplesmente se imaginava impossível de ser precificado: do trabalho de polinização executado por abelhas, de um cenário maravilhoso (como um belo por do sol), do ar que respiramos, do gás carbônico, da floresta em pé. Enfim, ser contemporâneo deste tempo é estar completamente submetido à égide do capital sem pátria e sem escrúpulos. Daí ser necessário que não sejamos completamente contemporâneos, que tenhamos capacidade de "sair" do nosso tempo, observá-lo a certa distância, analisá-lo sob outras perspectivas, de "fora". Como o próprio Agamben chama atenção isto não significa que passemos a viver em outra "dimensão", alienado do que ocorre neste tempo.

O fato é que para enfrentar os enormes desafios de um dado momento histórico é fundamental não render-se a ele próprio, prender-se às evidências imediatas como se fossem a verdade em si. É bom lembrar que foi no período entre as duas grandes guerras mundiais que se consolidaram perspectivas analíticas que marcaram profundamente o século XX: a psicanálise (Freud), a teoria crítica (Escola de Frankfurt), o tempo profundo (Braudel), o Estado como planejador do desenvolvimento e de imposição de certos limites à anarquia do mercado (Keynes), a ideia de luta contra-hegemônica em vista da construção do socialismo (Gramsci) e outras mais. Ou seja, justamente no período em que a humanidade se viu capaz de destruir-se em larga escala, de profunda desesperança quanto ao futuro, eis que alguns(mas) tiveram a capacidade de "sair de seu tempo" para pensar o seu próprio momento. É interessante dizer que Braudel formulou boa parte de seu pensamento quando prisioneiro dos nazistas durante cinco anos. Portanto, em condições extremas e sem que ele tivesse qualquer certeza quanto a sua própria sobrevivência.

Mas qual o motivo de toda essa reflexão? Há um objetivo bem definido: tentar demonstrar que parte considerável da crise política que ocorre no Brasil neste momento se deve ao fato de o Partido dos Trabalhadores (PT) ter se tornado tão contemporâneo deste tempo que parece ter perdido a condição de capitanear um processo de mudanças estruturais para além da cidadania de mercado propiciada pelo aumento da capacidade de consumo das classes populares. Não por mera coincidência Marcos Valério operou tanto para o PSDB quanto para o PT. Da mesma forma o "doleiro" Youssef e outros agiram nos mesmos esquemas petistas, tucanos etc. Ou seja, "entrou no jogo" sem questionar suas "regras", seus "métodos".

Ter a capacidade de não render-se completamente à contemporaneidade é fundamental para alimentar utopias, daquelas que nos levam à frente, que promovem mudanças em benefício da sociedade. E isso é algo que vem sendo sistematicamente negligenciado.

segunda-feira, 16 de março de 2015

O PT nos levou às cordas

Numa luta de boxe as cordas tanto podem servir para que um lutador em desvantagem momentânea tenha tempo para respirar e iniciar o contra-ataque, como podem significar o fim da luta já que o nocaute é uma possibilidade sempre presente. Pois bem, a esquerda brasileira encontra-se neste momento nas cordas, dado a ofensiva política dos setores conservadores. Estes, conseguiram impor sua pauta e suas demandas à sociedade. E o PT tem grande responsabilidade por essa situação.

Ao longo dos doze anos de governo sob comando petista bandeiras históricas foram secundarizadas ou simplesmente negligenciadas. Tudo para garantir a dita governabilidade. A reforma agrária foi riscada dos manuais partidários e das ações governamentais em benefício do agronegócio. A democratização dos meios de comunicação jamais foi abordada de maneira decidida durante o período, e agora o partido sente na própria pele o resultado de tamanha covardia. A reforma política mofou nas gavetas e somente foi trazida à luz após as mobilizações de junho do ano passado. Todavia, logo os ânimos se arrefeceram e tudo voltou ao "normal". Por conta dos ataques violentos capitaneados pela mídia corporativa o governo deve retomar o debate acerca da reforma política. A taxação das grandes fortunas continua a ser um tabu. O modelo neoextrativistra vem sendo reforçado e com isso a Amazônia e os demais ecossistemas brasileiros correm mais riscos do que antes. A política oficial executada a partir do BNDES de constituição de "campeões" por ramos produtivos levou à formação de oligopólios. Por sua vez, a prioridade de pagamento aos agiotas da dívida pública debilita a área social.

O PT acreditou firmemente que a "cidadania pelo consumo" seria suficiente para reverter as desigualdades históricas existentes no nosso país e, de quebra, desmontar a estrutura de poder das elites. Contudo, tal estratégia se mostrou frágil posto que insuficiente para atingir tais objetivos.

As ações e omissões petistas fizeram com que um conjunto expressivo de movimentos sociais se afastassem do partido. A divisão no interior desses movimentos se aprofundou ao longo dos governos Lula e Dilma. O problema é que o avanço das forças conservadoras do país nos força a também tomar as ruas em defesa da democracia e de suas instituições. O desafio, portanto, é fazer isto sem que tal ato seja compreendido enquanto defesa do governo Dilma. A causa em jogo é muito maior e precisamos estar à altura dos desafios da conjuntura. Façamos a nossa parte. O PT que faça a sua.