sexta-feira, 27 de março de 2015

De suposto em suposto....

Hoje pela manhã me deparei com uma matéria no UOL intitulada Suposto primo de governador tucano é indiciado no Paraná. Confesso que fiquei estático por uns segundos. Suposto primo? Como assim? Vaguei pelos labirintos dos meus pensamentos. O dever do bom jornalismo não é apurar os fatos? Pelo menos é o que sempre ouço falar. Não deveriam ter checado se o dito cidadão é ou não primo do governador Beto Richa? Aliás, para a matéria do UOL o governador do Paraná não tem nome. O indiciado é acusado de integrar uma organização criminosa que, segundo o Ministério Público, fraudava licitações e incorria em falsidade ideológica. Em Londrina, o indiciado é conhecido por todos como "o primo do Richa".

Beto Richa
Ao continuar a ler a matéria somos informados que o juiz da Vara de Execuções Penais determinou que o "primo do Richa", ou "suposto" ao UOL, fosse transferido para o quartel do Corpo de Bombeiros "porque o parentesco com o governador poderia colocar sua segurança em risco num estabelecimento prisional". A matéria ainda nos brinda com as expressões "suposto esquema" para fraudar licitação e "concorrência supostamente direcionada". De fato, o "suposto primo" do governador do Paraná pode nem ser parente do chefe do Executivo. Contudo, o que chama atenção é a preocupação do UOL de oferecer ao indiciado o benefício da dúvida, coisa que nem de perto ocorre quando os acusados são adversários do PSDB, principalmente petistas e integrantes de movimentos sociais. Nesse caso, qualquer denúncia assume a condição de prova irrefutável e manchetes garrafais.

Uma observação final: foi comprovado recentemente que a assessoria do governador Beto Richa "apagou" a presença do "suposto primo" numa das fotos em que ele aparecia na sala do chefe do Executivo. Isto prova que Stalin tem seguidores até hoje.

De suposto em suposto a mídia corporativa mostra o seu rosto....

terça-feira, 17 de março de 2015

Não devemos ser completamente contemporâneos do nosso tempo

Giorgio Agamben
Nos diz o filósofo italiano Giorgio Agamben que não podemos ser completamente contemporâneos do nosso tempo. Como podemos entender essa afirmação? Nosso tempo atual é o tempo da financeirização das relações sociais e da própria vida. O tempo da biotecnologia e da internet. A primeira evidencia a possibilidade de o domínio da cadeia do DNA propiciar desde a solução de inúmeras doenças até a produção de "armas étnicas" que sejam capazes de matar milhares (ou milhões) de pessoas pertencentes a um determinado povo que se queira eliminar; ou ainda destruir a diversidade de sementes existentes no planeta a fim de que um número minúsculo de poderosas corporações tenham o controle completo da produção de alimentos. A segunda, por sua vez, permite a diversos grupos sociais historicamente excluídos não somente se fazerem conhecidos, mas também terem suas demandas publicizadas, como também o contraponto à concentração da informação por parte da mídia corporativa, esta sob o controle de poucas famiglias. Contudo, a internet também é o instrumento que viabiliza o "cassino global" durante as 24 horas do dia, de todos os dias dos anos. É ainda o tempo das profundas e aceleradas transformações dos territórios, da "caça" insaciável do capital transnacional por novas áreas ricas em recursos naturais, que propiciem a acumulação acelerada e em larga escala, em detrimento e à revelia de povos indígenas e comunidades tradicionais. É o tempo da matematização daquilo que é intangível ou que simplesmente se imaginava impossível de ser precificado: do trabalho de polinização executado por abelhas, de um cenário maravilhoso (como um belo por do sol), do ar que respiramos, do gás carbônico, da floresta em pé. Enfim, ser contemporâneo deste tempo é estar completamente submetido à égide do capital sem pátria e sem escrúpulos. Daí ser necessário que não sejamos completamente contemporâneos, que tenhamos capacidade de "sair" do nosso tempo, observá-lo a certa distância, analisá-lo sob outras perspectivas, de "fora". Como o próprio Agamben chama atenção isto não significa que passemos a viver em outra "dimensão", alienado do que ocorre neste tempo.

O fato é que para enfrentar os enormes desafios de um dado momento histórico é fundamental não render-se a ele próprio, prender-se às evidências imediatas como se fossem a verdade em si. É bom lembrar que foi no período entre as duas grandes guerras mundiais que se consolidaram perspectivas analíticas que marcaram profundamente o século XX: a psicanálise (Freud), a teoria crítica (Escola de Frankfurt), o tempo profundo (Braudel), o Estado como planejador do desenvolvimento e de imposição de certos limites à anarquia do mercado (Keynes), a ideia de luta contra-hegemônica em vista da construção do socialismo (Gramsci) e outras mais. Ou seja, justamente no período em que a humanidade se viu capaz de destruir-se em larga escala, de profunda desesperança quanto ao futuro, eis que alguns(mas) tiveram a capacidade de "sair de seu tempo" para pensar o seu próprio momento. É interessante dizer que Braudel formulou boa parte de seu pensamento quando prisioneiro dos nazistas durante cinco anos. Portanto, em condições extremas e sem que ele tivesse qualquer certeza quanto a sua própria sobrevivência.

Mas qual o motivo de toda essa reflexão? Há um objetivo bem definido: tentar demonstrar que parte considerável da crise política que ocorre no Brasil neste momento se deve ao fato de o Partido dos Trabalhadores (PT) ter se tornado tão contemporâneo deste tempo que parece ter perdido a condição de capitanear um processo de mudanças estruturais para além da cidadania de mercado propiciada pelo aumento da capacidade de consumo das classes populares. Não por mera coincidência Marcos Valério operou tanto para o PSDB quanto para o PT. Da mesma forma o "doleiro" Youssef e outros agiram nos mesmos esquemas petistas, tucanos etc. Ou seja, "entrou no jogo" sem questionar suas "regras", seus "métodos".

Ter a capacidade de não render-se completamente à contemporaneidade é fundamental para alimentar utopias, daquelas que nos levam à frente, que promovem mudanças em benefício da sociedade. E isso é algo que vem sendo sistematicamente negligenciado.

segunda-feira, 16 de março de 2015

O PT nos levou às cordas

Numa luta de boxe as cordas tanto podem servir para que um lutador em desvantagem momentânea tenha tempo para respirar e iniciar o contra-ataque, como podem significar o fim da luta já que o nocaute é uma possibilidade sempre presente. Pois bem, a esquerda brasileira encontra-se neste momento nas cordas, dado a ofensiva política dos setores conservadores. Estes, conseguiram impor sua pauta e suas demandas à sociedade. E o PT tem grande responsabilidade por essa situação.

Ao longo dos doze anos de governo sob comando petista bandeiras históricas foram secundarizadas ou simplesmente negligenciadas. Tudo para garantir a dita governabilidade. A reforma agrária foi riscada dos manuais partidários e das ações governamentais em benefício do agronegócio. A democratização dos meios de comunicação jamais foi abordada de maneira decidida durante o período, e agora o partido sente na própria pele o resultado de tamanha covardia. A reforma política mofou nas gavetas e somente foi trazida à luz após as mobilizações de junho do ano passado. Todavia, logo os ânimos se arrefeceram e tudo voltou ao "normal". Por conta dos ataques violentos capitaneados pela mídia corporativa o governo deve retomar o debate acerca da reforma política. A taxação das grandes fortunas continua a ser um tabu. O modelo neoextrativistra vem sendo reforçado e com isso a Amazônia e os demais ecossistemas brasileiros correm mais riscos do que antes. A política oficial executada a partir do BNDES de constituição de "campeões" por ramos produtivos levou à formação de oligopólios. Por sua vez, a prioridade de pagamento aos agiotas da dívida pública debilita a área social.

O PT acreditou firmemente que a "cidadania pelo consumo" seria suficiente para reverter as desigualdades históricas existentes no nosso país e, de quebra, desmontar a estrutura de poder das elites. Contudo, tal estratégia se mostrou frágil posto que insuficiente para atingir tais objetivos.

As ações e omissões petistas fizeram com que um conjunto expressivo de movimentos sociais se afastassem do partido. A divisão no interior desses movimentos se aprofundou ao longo dos governos Lula e Dilma. O problema é que o avanço das forças conservadoras do país nos força a também tomar as ruas em defesa da democracia e de suas instituições. O desafio, portanto, é fazer isto sem que tal ato seja compreendido enquanto defesa do governo Dilma. A causa em jogo é muito maior e precisamos estar à altura dos desafios da conjuntura. Façamos a nossa parte. O PT que faça a sua.