quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Uma guerra de conquista.

O fato é o seguinte: o programa neoliberal de Temer e seus asseclas jamais ganharia as últimas eleições presidenciais. Então, o golpe é para viabilizá-lo sem ter que passar pela consulta popular. Como afirmam alguns analistas, ao PSDB interessava que Temer e o PMDB fizessem o "trabalho sujo" para depois apresentarem-se como os salvadores da pátria em 2018. Ocorre, porém, que o PMDB é como o escorpião que atravessa o rio no casco da tartaruga. Sem saber nadar o escorpião pede à tartaruga que o atravesse. Esta, reticente, diz ao escorpião que não confia nele. Ele, porém, afirma: como vou fazer qualquer mal a ti se estarei em cima do teu casco e me interessa atravessar o rio. Ela, então, concorda. No meio do rio o escorpião pica sem piedade a tartaruga, que olha pra ele e balbucia: mas vocês prometeu... Ao que ele retruca: desculpe-me, mas é a minha natureza.

A natureza do PMDB é a traição. E o PSDB percebeu logo isso quando Temer e sua turma passaram a distribuir "pacotes de bondades" a determinados segmentos do aparelho do Estado, como juízes, ministros do STF e procuradores, entre outros. Daí as pressões dos tucanos para que Temer cumpra fielmente com a agenda neoliberal, sob risco de ser carta fora do baralho bem antes de 2018. Isto sem falar que ao rentismo o ministro Henrique Meireles é "gente da gente", mais que Aécio Neves.

Esse é o quadro geral da crise que nos assola. Mas há uma questão que me parece fundamental: as elites dominantes estão de fato executando uma "guerra de conquista". Tal guerra visa desmontar as políticas governamentais inclusivas, radicalizar a privatização do Estado, aprofundar a associação subordinada do Brasil aos interesses do grande capital e dos países mais poderosos, particularmente aos EUA; destruir a esquerda, criminalizar em larga escala seus opositores, implantar a censura, impulsionar mais ainda a concentração da propriedade e da renda, estancar qualquer investigação que fuja do foco que é o de acabar com o PT*, desestabilizar governos do continente americano que não compactuem com esses propósitos, Ou seja, resolveram desenvolver a política de terra arrasada. Uma verdadeira guerra de conquista. E para este fim tudo é justificado. Ou entendemos isso, ou estaremos em sérios apuros.

* Gilmar mendes já mandou um recado a Moro: "o cemitério está cheio desses heróis".

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O golpe no Brasil, o medo e a banalidade do mal.

Tempos atrás escrevi um post em que citava rapidamente o julgamento do nazista alemão Adolf Eichmann, julgado e condenado à forca por crimes de genocídio contra os judeus. A filósofa Hannah Arendt acompanhou o tal julgamento e acabou publicando posteriormente o livro Eichmann em Jerusalém onde aborda o episódio. O que o destaca das análises predominantes sobre o ocorrido é o perfil do nazista traçado por Arendt. Segundo ela, Eichmann não demonstrava caráter doentio. Não era um louco ou mesmo apresentava característica antissemita. Durante o julgamento Eichmann disse que apenas cumprira ordens superiores e que as seguiu fielmente porque, entre outros motivos, desejava ascender na sua carreira militar. Grosso modo, é justamente essa naturalidade com que o soldado expôs seus motivos para ter sido um agente ativo na morte de milhões de pessoas o que Arendt denomina de banalidade do mal. Para ela o mal é político e histórico, não é algo que faça parte da natureza humana. E o mal precisa encontrar as condições política e institucional para se manifestar com toda força. O próprio nazismo é o exemplo mais acabado disso.
Julgamento de Adolf Eichmann
Por que retomar essa perspectiva de Arendt sobre a banalidade do mal? Acredito que ela nos ajuda a compreender um pouco melhor o que está ocorrendo no mundo e no Brasil, em particular. O mal foi banalizado a tal ponto na nossa sociedade que para uma parcela expressiva da população a violência contra pretos, pobres, favelados, militantes dos movimentos sociais ou moradores(as) das periferias urbanas já não provocam comoção. Da mesma forma, os que controlam o aparelho do Estado e que concentram as riquezas o manuseiam de maneira primorosa para defender seus próprios interesses. Talvez isso nos ajude a entender, por exemplo, porque boa parte da classe média foi às ruas para defender o golpe de Estado em andamento no Brasil. As manifestações desses segmentos visibilizaram o ódio, racismo,a homofobia e a xenofobia entranhados nas suas mentes e corações. A mídia corporativa (Globo à frente), organizações empresariais (a FIESP, especialmente, mas não podemos esquecer dos irmãos Koch e de Jorge Paulo Lemann), partidos de oposição ao governo petista (PSDB, DEM e PPS na linha de frente), o capital financeiro (Bradesco e Itaú e mais algumas do Brasil e do exterior) e o Colégio Militar, entre outros, contribuíram para gestar as condições político e institucionais para que a banalidade do mal assumisse o ar de "coisa natural". Daí os pedidos pela volta da ditadura militar, de morte aos movimentos sociais e de suas lideranças, do fim do PT ou das políticas sociais (cotas raciais, Bolsa Família etc.).

É a banalidade do mal que faz da Polícia Militar brasileira uma das mais truculentas policias do mundo. É ela também que faz com que o golpe de Estado no Brasil seja encarado e divulgado como algo normal. É o que faz com que a "Justiça" seja parcial e comprometida com o projeto político neoliberal. É o que permite a Gilmar Mendes atuar como um incendiário e não como um operador do direito. É o que fundamenta o massacre dos povos indígenas, como os Guarani Kaiowá, que crianças indígenas sejam queimadas ou assassinadas no colo da mãe. É o substrato que faz com que muitos(as) jovens sejam reacionários(as), preocupados(as) apenas com status e consumo. Tal como para Eichmann isso tudo é normal, natural aos/às que sucumbiram à banalidade do mal.

O medo quando manipulado se torna uma arma eficiente e poderosa nas mãos dos conservadores, autoritários e assassinos. E nas eleições que se aproximam isto vai ficar muito evidente. É só observar para além das aparências, das "normalidades".