sábado, 22 de junho de 2013

Aos meus amigos conservadores...

As mobilizações que ocorrem no momento em todo o Brasil estão promovendo profundas reflexões de diferentes tipos por parte dos partidos e das elites políticas, por parte dos movimentos sociais, por parte dos governos e mesmo do judiciário, entre tantos outros. A incertezas quanto ao que acontecerá daqui por diante não é uma coisa ruim, como apregoam determinadas análises. Como diria Ilya Prigogine, o caos não é apenas desordem, mas é também construtor de novas ordens numa cadeia infinita. Estamos vivenciando uma bifurcação histórica? Ao menos para determinadas forças políticas essa parece ser uma dura realidade.

O que tem chamado a minha atenção nos últimos dias é o encarniçado ativismo político por parte de conhecidos meus pela internet. De um modo geral, compartilho com eles da esperança de que ocorram mudanças substanciais no país, que não se restringem tão somente a aspectos econômicos, pois, como diriam os Titãs, "a gente não quer só comida". Contudo, chama atenção o caráter conservador e às vezes despolitizados de muitas das críticas apresentadas. De um lado, o discurso contra a política, os partidos e os movimentos sociais - como se o povo brasileiro somente agora se mobilizasse - se tornou uma palavra de ordem que, ingenuamente, acreditam ser "a salvação do país". De outro, um misto de raiva e indignação são canalizadas tão somente em direção ao governo federal. E as grandes empresas e poderosas instituições financeiras (do Brasil e do exterior) que financiam quase a totalidade dos partidos políticos? Estas não têm qualquer parcela de culpa pelo que ocorre no Brasil? E a concentração da renda? Particularmente não vi um mísero cartaz propondo a taxação das grandes fortunas, por exemplo. Essa questão não foi incorporada pelo Arnaldo Jabor na pauta que ele apresentou aos manifestantes. Por que?

Governador Simão Jatene (PSDB)
Saí do PT e dele me tornei um dos seus críticos por conta da sua acomodação à ordem estabelecida. Todavia, não posso compactuar com as análises que depositam nele toda a culpa pelo estado a que chegou o nosso país. Aqui no meu estado, o Pará, o PSDB vai completar 16 anos de governo em 2014. Vários indicadores sociais do Pará encontram-se entre os piores do país, a educação está em frangalhos, os servidores públicos ganham mal; o governo estadual está mergulhado em falcatruas, corrupção, nepotismo. Aqui há um verdadeiro pacto pela impunidade envolvendo setores importantes do legislativo, do judiciário e da mídia. Somente em 2010, a Assembleia Legislativa do Estado gastou com combustível mais do que toda a frota de segurança pública. O judiciário não se move quando as ações envolvem gente graúda. É só ver a estapafúrdia e abjeta condenação do jornalista Lúcio Flávio Pinto que, ao defender o patrimônio público, foi perseguido implacavelmente. O PSDB e o "Democratas" elegeram o ex-prefeito Duciomar Costa (PTB) para a prefeitura de Belém. O mesmo que teve recentemente os seus direitos políticos cassados por malversação dos recursos públicos. Belém é a capital onde o sentimento de insegurança é avassalador. A rede de abastecimento de água em todo o Estado é uma vergonha, nem preciso falar algo sobre o saneamento básico, que em muitos lugares simplesmente não existe. Os tucanos e demos destruíram a capacidade de planejamento do Pará, gastam uma fortuna em propaganda que, coincidentemente, é gerida há anos pela empresa que faz a campanha eleitoral do PSDB e ninguém faz nada contra isso. Cerca de 30 bebês morreram nesses últimos dias na Santa Casa de Misericórdia. O Pará gera pouco empregos. Nossa economia está atrelada aos interesses das grandes mineradoras, do agronegócio e das madeireiras. Isto sem falar no Jader Barbalho e seu PMDB, cujo currículo é conhecido nacionalmente. Além do Jader, os dois outros senadores paraenses - Mario Couto e Flexa Ribeiro, ambos do PSDB - foram ou estão envolvidos em escândalos de desvio de dinheiro público. Poderia escrever páginas e mais paginas das mazelas que atingem a todos(as) nós paraenses. 
Senador Jader Barbalho (PMDB)

Apesar de tudo isso, meus amigos conservadores só falam na Dilma e no PT. Quanto ao descalabro que PMDB, PSDB, PTB e Demos promoveram nas contas públicas, nos milhões desviados, na destruição do serviço público, não falam nada, absolutamente nada. Não pedem o impeachment de Jatene, não falam da corrupção escancarada etc. É como se estes fossem vestais, verdadeiros patriotas e símbolo de bons governantes. Para os meus amigos conservadores tudo está uma maravilha no nosso estado.

Não, não posso concordar com isso. Se é pra cobrar, vamos cobrar de todo mundo. Vamos exigir nossos direitos diante de quem quer que seja. Ética pela metade não é ética. É hipocrisia e oportunismo.

* Recomendo aos meus amigos conservadores que visitem o Blog A Perereca da Vizinha. Leiam os artigos e vejam as provas cabais da corrupção desenfreada envolvendo a cúpula do governo estadual.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Globo: a notícia que vem do alto.

Absolutamente todos os jornalistas da Globo que falaram das manifestações que ocorrem neste momento em diversas capitais do país estavam posicionados em helicópteros, ou nos telhados de edifícios. O fato é que a Globo tem recebido sonoro repúdio dos que protestam. Sinais dos tempos...

Sobre "pacifistas" e "baderneiros": uma revolta da classe média?

As chaves de leitura para tentarmos compreender as mobilizações massivas no Brasil são muitas. Tantas são as possibilidades que abrem espaço para todo tipo de regozijo ou aversão: a) Há as perspectivas dos nostálgicos da ditadura militar que se sentem incomodados com a presença de milhares de pessoas saindo às ruas para protestar; b) Há os que acreditam na possibilidade de mudar as estruturas da sociedade sem partidos, sem sindicatos, sem políticos; c) Há os dirigentes incomodados pelo fato de não estarem no comando das massas e por elas serem criticados; d) Há os bandidos do dinheiro público furiosos porque suas falcatruas podem ganhar evidência; e) Há os estudiosos encafifados porque esses movimentos não se adequam às suas categorias de análise; f) Há os militantes históricos que vêem na alegria da juventude em marcha uma fagulha de esperança de que a democracia - não apenas a formal - seja efetivamente instaurada no país; g) Há os incrédulos que acreditam serem essas mobilizações apenas uma onda que logo retornará ao seu estado de calmaria; h) Há os que controlam fatias de poder do Estado que não sabem o que dizer e se sentem envergonhados de questionar os que lhes questionam; i) Há aqueles que vêem a possibilidade de auferir ganhos de modo rápido, mesmo que seja a base de roubo de bancas de revistas, farmácias ou supermercados; j) Há os que acreditam firmemente de que a sociedade progride tão somente pela construção de consensos, daí lhes causar incômodos os protestos; k) Há os que se desesperam por morar tão longe dos seus locais de trabalho e, por conta disso, mofam por horas a espera de ônibus, vans ou outro tipo de condução; l) Há os falsos ludistas que acreditam na ideia de que quebrar o patrimônio público é uma atitude antissistêmica; m) Há os esperançosos que torcem para que haja mudanças efetivas no país; n) Há os que acreditam que as manifestações são verdadeiramente indícios de que o Apocalipse chegou; o) Há os que nos lembram que nem a luta de classes e nem a lei da gravidade foram revogadas; p) Há os querem ver o circo pegar fogo; q) Há os que temem perder privilégios; r) Há os querem ter direito a ter direito; s) Há os que pensam apenas nas eleições do ano que vem; t) Há os que como o Pelé só falam besteiras (os idiotas de sempre); u) Há os que especulam com as finanças do país; v) Há os que aproveitam a oportunidade para aprovar leis absurdas como a da Cura Gay; w) Há os que não se cansam de repetir que o povo brasileiro já protestava há muito tempo, mas que a imprensa e uma parte dos que hoje estão nas ruas ignoravam; x) Há mães e pais preocupados com a militância dos filhos e o medo de que sofram algum tipo de violência; y) Há aqueles que se preocupam com a sujeira que precisam limpar no dia seguinte aos protestos; z) Há os que estão envolvidos com a produção de teses e dissertações e não têm tempo pra ver o que está acontecendo no país. Qual a porta de entrada para analisarmos as mobilizações dos últimos dias?

Um determinado jornal estrangeiro afirmou que um dos motivos desencadeadores dos protestos seria que a classe média brasileira cresceu e agora cobra o retorno dos altos impostos pagos. É isso mesmo? A classe média brasileira se tornou revolucionária? Outra linha de raciocínio que se tornou hegemônica na cobertura jornalística veiculada pelos conglomerados da comunicação e na elite política do Brasil procura estabelecer uma divisão clara entre os que eles identificam como pacifistas e baderneiros. Para eles os primeiros são os que defendem realmente os interesses coletivos, já os segundos são aproveitadores que merecem ser presos.

Vamos por parte. Em primeiro lugar parece não ser crível que as mobilizações que ocorrem no Brasil são realizadas por uma classe média expandida, enraivecida pela péssima qualidade dos serviços públicos. Estes serviços são precários? São. É o principal motivo das passeatas? É muito difícil fazer tal afirmação. Contudo, não podemos esquecer que no início dos protestos tanto os governos quanto a mídia corporativa tentaram passar a ideia de que tudo se resumia aos R$ 0,20 (vinte centavos) de aumento das passagens de ônibus (o discurso enlouquecido de Arnaldo Jabor na televisão foi antológico). A diferença agora é que os grandes grupos de comunicação abandonaram essa tese e partem para colocar o governo federal como a única mira dos protestos, mas os governos estaduais e prefeituras continuam a acreditar que a redução dos preços em alguns míseros centavos será suficiente para arrefecer os ânimos da galera. Será? Por outro lado, devemos ter em mente que a sanha privatista é o principal motor de muitas das críticas feitas contra os serviços públicos no nosso país por parte daquele que os vêem apenas como uma grande oportunidade de negócios. E essa perspectiva pouco tem a ver com as demandas da grande maioria da população que acessa postos de saúde, hospitais ou escolas públicas.

Em segundo lugar a rotulagem que distingue pacifistas e baderneiros merece ser analisada com cautela. Evidentemente não se pode concordar, em hipótese alguma, com atos de banditismo cometidos contra cidadãos comuns ou pequenos comerciantes que tiveram seus empreendimentos saqueados, e mesmo a depredação de prédios históricos. Nos parece que não há divergências substantivas quanto a isso. Porém - sim, há um porém -, as elites sempre trataram como baderneiros todos aqueles que tentam de algum modo subverter a ordem, mesmo que ela seja profundamente injusta. Aliás, certa vez nos disse Martin Luther King Jr. que "temos o dever moral de desobedecer a leis injustas". E há algo mais injusto do que a miséria, a fome ou a falta de moradia? O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) não teve qualquer escrúpulos quando chamou de baderneiros os ocupantes de Pinheirinho, ou as pessoas que depredaram trens que atravessavam a periferia de São Paulo por conta das sucessivas quebras dos equipamentos e dos frequentes atrasos a que estavam submetidos por conta desse problema.

Permitam-me inserir uma passagem da análise feita por Slavoj Zizek sobre o medo instaurado (e trabalhado) na sociedade estadunidense após os atentados de 11 de Setembro, pois acredito que ela nos ajuda de certa forma a refletir sobre a questão acima:

(...) O estado em que vivemos hoje, de "guerra ao terror", é o estado da ameaça terrorista eternamente suspensa: a Catástrofe (o novo ataque terrorista) é considerada certa, mas ela é indefinidamente adiada - o que vier a acontecer, ainda que seja um ataque muito mais horrível do que o de 11 de Setembro, não será "aquele". E aqui é crucial que se entenda que a verdadeira catástrofe já é esta vida sob a sombra da ameaça permanente de uma catástrofe.
Recentemente, Terry Eagleton chamou atenção para os dois modos opostos de tragédia: o Evento grande, espetacular, catastrófico, a irrupção abrupta vinda de outro mundo, e a árida persistência de uma condição sem esperança, a frustrante existência que continua indefinidamente, a vida como uma longa emergência. Essa é a grande diferença entre as grandes catástrofes do Primeiro Mundo, como o 11 de Setembro, e a árida catástrofe permanente dos, por exemplo, palestinos da Margem Ocidental.  O primeiro tipo de tragédia, a figura contra o cenário "normal", é característico do Primeiro Mundo, ao passo que, em grande parte do Terceiro, catástrofe designa o próprio cenário sempre presente (ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de Setembro e datas relacionadas. São Paulo : Boitempo Editorial, 2003, p. 12-13 - grifo nosso).
A catástrofe materializada no abuso policial, na dilapidação do patrimônio público para que seja repassado a grandes grupos privados - como ocorre com o crescente domínio de Eike Batista, particularmente no Rio de Janeiro -, no assassinato de jovens da periferia por grupos de extermínio, no ônibus lotado e caro de todos os dias, no assédio moral nos locais de trabalho, no machismo que leva ao assassinato e a outras formas de violência contra as mulheres, na corrupção governamental, na falta de transparência e de controle social - apesar de próximas não são a mesma coisa -, nos serviços públicos e privados de péssima qualidade (quem não tem queixa contra as empresas de telefonia e de planos de saúde que levante a mão), na existência de cidades excludentes para velhos e portadores de necessidades especiais, nas enchentes recorrentes das casas, no desmoronamento dos morros, nas secas e na indústria da seca, na falta de postos de saúde e de escolas, na ausência de perspectivas promissoras aos jovens, no uso de trabalho infantil, no terror promovido pelas miliciais, na falta de emprego e de moradia, para citar apenas alguns exemplos, são cenários sempre presentes entre pobres e desvalidos de todo tipo. Podemos considerá-los baderneiros? É a classe média ensandecida contra os impostos?



quarta-feira, 19 de junho de 2013

Um cruzado e um upper... O adversário está zonzo.

Os apreciadores do boxe vibram quando um lutador consegue aplicar um cruzado ou um upper com eficiência. O cruzado nada mais é do que um golpe contra a lateral da cabeça do adversário. Já o upper, ou gancho, é um golpe de baixo para cima que acerta em cheio o queixo do oponente. Qualquer um deles, quando bem executado, deixa o adversário invariavelmente grogue. Alguns conseguem se recompor e continuar na luta, podendo até mesmo virar o jogo. Outros se tornam presas fáceis e acabam sendo derrotados.

As manifestações que se espalham pelo país feito rastilho de pólvora estão distribuindo cruzados e uppers em distintas direções: O Estado repressivo, os partidos da situação, os partidos da oposição, a apropriação privada dos bens e recursos públicos, a forma tradicional de se fazer política, o monopólio da informação, os megaprojetos que destroem o ambiente e colocam em risco os modos de vida de populações como a dos indígenas, entre outros. Elas, as mobilizações massivas, conseguirão derrubar seus oponentes ou, ao contrário, apenas os deixarão grogues até que se recomponham e retomem a iniciativa da luta? Esse parece ser um dos maiores dilemas do momento.

O fato é que a mídia corporativa, o aparelho estatal, os partidos e o "mundo político" ainda não conseguem entender muito bem o que está ocorrendo no nosso país. Há, porém, sinalizações claras de que determinados segmentos conservadores da sociedade brasileira pretendem fazer com que suas pautas ganhem força. Hoje mesmo um determinado general da reserva conclamou os militares a se posicionarem firmemente contra o que ele denominou "desgoverno". De um lado, Arnaldo Jabor e os "falcões" dos conglomerados midiáticos; de outro, tucanos e demos mais alguns grupos empresariais insatisfeitos com a condução da política macroeconômica articulam-se para mexer determinadas peças do xadrez político, objetivando emplacar um xeque-mate contra o governo Dilma Roussef e o PT. Estes, por sua vez, cada vez mais desconectados dos movimentos sociais enfrentam dificuldades para reagir. Parecem grogues e não há garantias de que conseguirão reagir, mesmo que alguns de seus militantes bradem que não aceitarão golpes.

Todavia, os 1% que concentram a renda e seus representantes não têm qualquer garantia de que conseguirão capitalizar o "clamor das ruas". Um exemplo elucidativo: O principal noticiário da Globo, o Jornal Nacional, sequer pode transmitir suas matérias de dentro das passeatas, pois os/as participantes simplesmente expulsaram seus repórteres e cinegrafistas. Até mesmo o competente jornalista Caco Barcelos, considerado um inimigo por parte da linha dura da Polícia Militar de São Paulo, não conseguiu fazer seu trabalho. Tal fato forçou a apresentadora Patricia Poeta a ler uma espécie de editorial tentando "limpar a barra" da empresa.

Ou seja, tudo está em aberto. Tudo pode acontecer, até mesmo nada de substancial. Ainda mais se a política continuar sendo criminalizada, inclusive por parcela significativa dos manifestantes.


terça-feira, 18 de junho de 2013

Cinco questões sobre os protestos no Brasil.

O Brasil passou a vivenciar uma onda de protestos que a cada dia agrega mais pessoas e atinge um número cada vez maior de localidades. Apresento abaixo cinco questões que me parecem importantes para a análise dos recentes acontecimentos.

1. A direita perdeu a batalha da comunicação
O início das mobilizações dos jovens sofreu duros ataques dos principais grupos corporativos de comunicação. Os editorias do Estadão e da Folha de São Paulo serviram de senha para a bestial repressão da Política Militar comandada pelo tucano Geraldo Alckmin (PSDB) que, exercida de forma indiscriminada, atingiu manifestantes, jornalistas, transeuntes, jovens, idosos e outros. O/A Globo, Veja e seus articulistas - os nefastos Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo, entre eles - usaram toda sua verve para desqualificar e criminalizar o movimento. O comentário de Jabor no Jornal da Globo foi fascista, digno de aplausos de agentes da ditadura.

Entretanto, quando começaram a ser veiculadas pela internet os abusos cometidos pelas forças da repressão, quando os próprios profissionais da "grande" imprensa passaram a ser vítimas da ROTA, quando a mídia internacional e as organizações de direitos humanos passaram a fazer duras críticas ao comportamento da Polícia Militar,e quando alguns setores passaram a defender abertamente a extinção dessa força policial, o quadro começou a mudar substancialmente.

Arnaldo Jabor, por exemplo, fez mea culpa na Rádio CBN desculpando-se por não "ter entendido" que a luta dos movimentos não se resumia aos R$ 0,20, e que eles poderiam ser a oportunidade de oxigenação da sociedade brasileira a "combater todos os males que nos afligem": a corrupção, a inflação, o "mensalão", os privilégios, a lentidão das obras do PAC, os aeroportos lotados, a elevada carga tributária, a PEC 37 e por aí vai. Os jornais passaram a falar abertamente de "brutal repressão" e as emissoras de televisão passaram a defender o direito constitucional de livre manifestação. Por que ocorreu tal mudança? Uma das respostas possíveis é que a direita perdeu a batalha da comunicação. E, sem dúvida alguma, a internet muito contribuiu para que isso ocorresse. Perdida a batalha era preciso alterar a posição sem que isso evidenciasse a própria derrota. Esse fato demonstra o definhamento do monopólio da comunicação? Sim e não. De fato, hoje temos muito mais recursos para combater a visão parcializada dos grandes grupos de comunicação defensores do status quo e da democracia sem participação efetiva. Contudo, é muito prematuro afirmarmos que Marinhos, Frias, Mesquitas, Maioranas, Barbalhos, Calderaros, Sarneis, Sirotskis e outros perderam a capacidade de impor sua agenda política, econômica e ideológica à sociedade brasileira. Há ainda muito chão para ser trilhado...

2. Perdida a batalha da comunicação a direita tentará definir os rumos das mobilizações
No início das mobilizações uma das principais críticas de governos e dos conglomerados de comunicação era de que o movimento não tinha rumo, era uma "colcha de retalhos", não possuía uma pauta definida. Pois bem, observando o reposicionamento desses setores frente à ocupação das ruas de diferentes cidades por milhares de pessoas uma coisa fica patente: A ordem agora é tentar desviar esse caudaloso rio para se confrontar com o governo federal. Enfim, é tornar o governo Dilma e o PT os principais inimigos dos manifestantes e o estuário do descontentamento popular. Leia atentamente os editorais dos principais jornais do país, preste atenção nas falas dos principais porta-vozes da mídia corporativa, dos tucanos e dos demos, ou a defesa do representante da Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo para que os manifestantes canalizem sua ira contra o "mensalão" - o petista, bem entendido, não o tucano. Todos agora estão com os olhos voltados para os resultados das próximas pesquisas de avaliação do governo e de Dilma Roussef....

3. Como não tem direção?
É hilário assistir as posições dúbias do governo do Estado de São Paulo e da prefeitura paulistana, aos debates na Globonews e em outros programas de entrevistas, assim como a recente entrevista do sociólogo tucano Bolivar Lamounier ante ao que está ocorrendo nas ruas. O principal problema para eles é a ausência de uma direção, de um interlocutor (re)conhecido pelo aparelho de Estado. Ora, as manifestações que ocorrem no momento agregam insatisfações de diversas ordens. Por outro lado, diferentemente de outras experiências elas são marcadas pela participação horizontal, envolvem milhares de pessoas - principalmente de jovens - que simplesmente resolveram posicionar-se contra aspectos que eles consideram ruins para si e para a sociedade.

Além disso, as formas de mobilização agregaram recursos tecnológicos como a internet de maneira muito interessante. O problema é que o Estado - mas, digamos a verdade, nem os partidos de esquerda - sabe lidar ao certo com essa "nova realidade". Essa vai ser a característica das mobilizações de massa de agora em diante? Não é possível afirmar categoricamente. Todavia, as manifestações parecem demonstrar aos setores empenhados em realizar mudanças estruturais na sociedade que suas metodologia/concepções de organização e de mobilização social estão defasadas.... 

4. O outro lado: A criminalização da política
Participando da manifestação ocorrida aqui em Belém percebi em vários momentos as pressões exercidas pela grande maioria dos(as) jovens contra integrantes de partidos políticos como o PSTU, o PSOL e o próprio PT presentes no ato. Tal fato, ao que parece, não é uma característica de Belém, mas tem ocorrido em todos os outros protestos espalhados pelo país. A política - e não estamos tratando exclusivamente da política partidária - vem sendo sistematicamente criminalizada. É um elemento constitutivo do sistema de dominação em escala global. É preciso criminalizar a política, torná-la suja aos olhos da população, como algo ruim, que só serve para beneficiar um punhado muito pequeno de pessoas e grupos. A esse respeito sugiro a leitura de algumas das produções de Slavoj Zizek (Bem-Vindo ao Deserto do Real) e de Michel Lowy (Os irredutíveis: Teoremas da resistência para o tempo presente).

No Brasil, temos tido fartos exemplos dessa criminalização: Os comentários depreciativos de Joaquim Barbosa e de outros membros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra os partidos políticos e a política em geral, as perseguições contra os que fazem renhida oposição ao modelo hegemônico de desenvolvimento, a imposição do discurso do progresso como elemento justificador do modelo etc. O problema, por mais paradoxal que possa parecer, é que a criminalização ocorre tanto pela direita quanto por uma certa "esquerda". Esta agora mais afeita à "busca de consensos", a "extirpação dos conflitos sociais" e às saídas técnicas/tecnológicas a problemas cruciais da humanidade - a crise ambiental, por exemplo.

5. O PT está sendo forçado a sair da sua "zona de conforto"
Uma consequência maravilhosa da efervescência das ruas é a de ter colocado o PT "contra a parede", de tê-lo tirado de sua "zona de conforto". O desenvolvimentismo econômico no estrito limite do modelo hegemônico se tornou a utopia do partido, devidamente associado a uma estratégia de compensação social que, se de um lado, retirou milhões de famílias da sua condição de miséria extrema a partir fundamentalmente do consumo; de outro, não se mostrou capaz de reverter a indecente concentração de renda e da propriedade no país.

Crescentemente apartado dos movimentos sociais que lutam contra o modelo hegemônico de desenvolvimento, o PT tem buscado consolidar alianças com segmentos conservadores da sociedade, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Hoje, o agronegócio - o Partido da Terra - é que dita os eixos estruturantes da agenda governamental, interna e externamente. Militantes históricos estão sendo perseguidos, criminalizados. As mobilizações que ocorrem no país podem mostrar ao PT que o seu descolamento das forças vivas da sociedade empenhadas em realizar mudanças estruturais foi o seu principal erro estratégico. Talvez perceba que a banda está passando e somente ele não vê.