domingo, 30 de outubro de 2016

Perdemos. E aí?

"Como explicar o fato de que, num dos momentos de maior ataques aos direitos trabalhistas, a direita que nos ataca, vence as eleições de ponta a ponta do país?". Essa pergunta foi lançada pelo meu amigo Marco Mota há alguns minutos nas redes sociais. As respostas dadas por algumas pessoas mostravam indignação, revolta, tristeza. Uma disse disse não entender o que está acontecendo. Outra afirmou que o resultado das eleições "é um caso patológico". Seja como for ainda teremos que dedicar muitos neurônios para compreender o que se passa em nosso país. Da minha parte indico de forma sumária, pois também estou sob o impacto das urnas, alguns itens para ajudar na reflexão:


Qual o rumo?
  1. Essa avalanche conservadora não acontece somente em nosso país. É um dos principais elementos do cenário mundial. Então, não há como entender o que ocorre aqui desconectado do processo de expansão acelerada do capital no planeta.
  2. Erramos quando analisamos o neoliberalismo numa dimensão estritamente econômica. O neoliberalismo não é só privatização, redução do tamanho do Estado ou desmantelamento das políticas sociais. Talvez mais importante que isso é o fato de o neoliberalismo consolidar um ethos na sociedade fundado na competição, no individualismo, nos contratos e na destruição da noção de solidariedade. Bombardeadas diuturnamente por esses ideias as pessoas assumem tal ethos como sendo a base das próprias relações sociais. E um programa eleitoral por mais bem elaborado ou apresentado nos meios de comunicação não é capaz por si só de reverter tal situação. Como alguém já disse certa vez o neoliberalismo é um fracasso macroeconômico, mas é um sucesso do ponto de vista político-ideológico. Portanto, a questão é bem mais profunda.
  3. A banalidade do mal. Esta reflexão apresentada por Hannah Arendt quando do julgamento de Adolf Eichmann após o fim da Segunda Guerra Mundial nos ajuda a compreender o porquê de a direita se sentir à vontade atualmente para expressar sua perspectiva racista, homofóbica, xenófoba, de perseguição às mulheres, de combate à diversidade. Boa parte da nossa sociedade vê as injustiças como algo natural, tal como Eichmann achava natural destinar milhares de pessoas para morrerem nos campos de concentração. Como ele afirmava, estava tão somente "cumprindo ordens". A naturalização da violência, da corrupção, da usurpação do poder (re)alimenta a banalidade do mal. É seu fruto e sua raiz ao mesmo tempo.
  4. O sistema político brasileiro está carcomido e precisa ser destruído e reconstruído em outras bases completamente diferentes.
  5. Um dos elementos da nossa derrota foi justamente a capitulação do PT a esse sistema político falido. O PT está sendo perseguido. Verdade. Contudo, não somente por seus acertos, mas fundamentalmente por conta de seus inúmeros erros. Ocorre, porém, que todo o campo de oposição de esquerda foi tragado para esse pântano.
  6. Ficou evidente que o discurso moralizador de cunho conservador e fascista tem muita força no nosso país.
  7. A captura do sistema político pelas grandes corporações econômicas fere de morte a democracia. Ou criamos novas formas de participação e controle social que não se resumam apenas a participação eleitoral, ou a sociedade sucumbirá em conflitos de grandes proporções sem que isso leve necessariamente a mudanças positivas.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Os capitalistas nos lembram: aprofundar a luta de classes é o seu programa.

Durante muito tempo o discurso conservador repetiu como um mantra a ideia de que a esquerda é quem promovia a luta de classes, que está somente existia por conta da atuação de grupos sociais avessos à democracia e ao diálogo. Tal argumento, incutido diuturnamente nas mentes das pessoas pelas escolas e outros aparelhos ideológicos do Estado; além dos meios de comunicação, instituições e demais instrumentos disponíveis aos capitalistas, serviu de base para perseguições, prisões e assassinatos de socialistas, comunistas, humanistas e libertários de diferentes matizes.

Ocorre, porém, que a luta de classes não é uma invenção, uma ideia ou devaneio de uma ou outra pessoa, de um ou outro grupo social. A luta de classes atravessa a sociedade. É material. Movimenta a história. Produz avanços e retrocessos. Aponta caminhos possíveis e produz incertezas. Destrói o velho, faz surgir o novo e retoma o passado continuamente. Não é algo que possa ser abolido, ou negligenciado. Todos e todas estão envolvidos(as), são sujeitos. Queiram ou não.

Entretanto, parte do que poderia ser denominado de esquerda acreditou que era possível alterar estrutural e profundamente a sociedade por medidas de conciliação, como se elas fossem capazes de suprimir a luta de classes. Foi assim com a experiência da II Segunda Internacional Socialista ao final do século XIX, tem sido assim em muitos governos chamados progressistas na atualidade. Portanto, ganhou musculatura a ideia de pactos envolvendo atores sociais com capacidade de poder diametralmente distintas. Um acordo entre o leão e a gazela, pra ficarmos nas referências do mundo não humano.

Eis que a burguesia brasileira resolveu romper o pacto de mediocridade e dizer em alto e bom som: Queremos tudo o que acreditamos nos pertencer e vocês nos entregarão por bem ou por mal, sem intermediários, sem complacência. A partir de então declarou guerra aberta. Foi um adeus à "guerra de posição". Agora é "guerra de movimento", de extermínio das conquistas sociais, de destruição da democracia, do desmantelamento do Estado, da subserviência completa aos ditames das forças do mercado - do laissez-faire, da criminalização dos movimentos sociais, do não reconhecimento de direitos, da imposição de padronizações, do desprezo à diversidade, do individualismo, da fé sem espírito, do rechaço à solidariedade; do lançar novamente milhões de pessoas à fome e impossibilitá-las do acesso à educação, ao lazer e à cultura.

A "esquerda" que já imaginava viver em outro momento encontra-se atônita: Como os empresários se puseram contra mim se no meu governo eles ganharam dinheiro como nunca antes? Como a Globo se tornou artífice do golpe se investi tantos milhões em propaganda? O problema é que a luta de classes nunca foi negligenciada por eles, nunca deixou de fazer parte do seu programa. É a execução deste que experimentamos em toda sua crueza.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Uma guerra de conquista.

O fato é o seguinte: o programa neoliberal de Temer e seus asseclas jamais ganharia as últimas eleições presidenciais. Então, o golpe é para viabilizá-lo sem ter que passar pela consulta popular. Como afirmam alguns analistas, ao PSDB interessava que Temer e o PMDB fizessem o "trabalho sujo" para depois apresentarem-se como os salvadores da pátria em 2018. Ocorre, porém, que o PMDB é como o escorpião que atravessa o rio no casco da tartaruga. Sem saber nadar o escorpião pede à tartaruga que o atravesse. Esta, reticente, diz ao escorpião que não confia nele. Ele, porém, afirma: como vou fazer qualquer mal a ti se estarei em cima do teu casco e me interessa atravessar o rio. Ela, então, concorda. No meio do rio o escorpião pica sem piedade a tartaruga, que olha pra ele e balbucia: mas vocês prometeu... Ao que ele retruca: desculpe-me, mas é a minha natureza.

A natureza do PMDB é a traição. E o PSDB percebeu logo isso quando Temer e sua turma passaram a distribuir "pacotes de bondades" a determinados segmentos do aparelho do Estado, como juízes, ministros do STF e procuradores, entre outros. Daí as pressões dos tucanos para que Temer cumpra fielmente com a agenda neoliberal, sob risco de ser carta fora do baralho bem antes de 2018. Isto sem falar que ao rentismo o ministro Henrique Meireles é "gente da gente", mais que Aécio Neves.

Esse é o quadro geral da crise que nos assola. Mas há uma questão que me parece fundamental: as elites dominantes estão de fato executando uma "guerra de conquista". Tal guerra visa desmontar as políticas governamentais inclusivas, radicalizar a privatização do Estado, aprofundar a associação subordinada do Brasil aos interesses do grande capital e dos países mais poderosos, particularmente aos EUA; destruir a esquerda, criminalizar em larga escala seus opositores, implantar a censura, impulsionar mais ainda a concentração da propriedade e da renda, estancar qualquer investigação que fuja do foco que é o de acabar com o PT*, desestabilizar governos do continente americano que não compactuem com esses propósitos, Ou seja, resolveram desenvolver a política de terra arrasada. Uma verdadeira guerra de conquista. E para este fim tudo é justificado. Ou entendemos isso, ou estaremos em sérios apuros.

* Gilmar mendes já mandou um recado a Moro: "o cemitério está cheio desses heróis".

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O golpe no Brasil, o medo e a banalidade do mal.

Tempos atrás escrevi um post em que citava rapidamente o julgamento do nazista alemão Adolf Eichmann, julgado e condenado à forca por crimes de genocídio contra os judeus. A filósofa Hannah Arendt acompanhou o tal julgamento e acabou publicando posteriormente o livro Eichmann em Jerusalém onde aborda o episódio. O que o destaca das análises predominantes sobre o ocorrido é o perfil do nazista traçado por Arendt. Segundo ela, Eichmann não demonstrava caráter doentio. Não era um louco ou mesmo apresentava característica antissemita. Durante o julgamento Eichmann disse que apenas cumprira ordens superiores e que as seguiu fielmente porque, entre outros motivos, desejava ascender na sua carreira militar. Grosso modo, é justamente essa naturalidade com que o soldado expôs seus motivos para ter sido um agente ativo na morte de milhões de pessoas o que Arendt denomina de banalidade do mal. Para ela o mal é político e histórico, não é algo que faça parte da natureza humana. E o mal precisa encontrar as condições política e institucional para se manifestar com toda força. O próprio nazismo é o exemplo mais acabado disso.
Julgamento de Adolf Eichmann
Por que retomar essa perspectiva de Arendt sobre a banalidade do mal? Acredito que ela nos ajuda a compreender um pouco melhor o que está ocorrendo no mundo e no Brasil, em particular. O mal foi banalizado a tal ponto na nossa sociedade que para uma parcela expressiva da população a violência contra pretos, pobres, favelados, militantes dos movimentos sociais ou moradores(as) das periferias urbanas já não provocam comoção. Da mesma forma, os que controlam o aparelho do Estado e que concentram as riquezas o manuseiam de maneira primorosa para defender seus próprios interesses. Talvez isso nos ajude a entender, por exemplo, porque boa parte da classe média foi às ruas para defender o golpe de Estado em andamento no Brasil. As manifestações desses segmentos visibilizaram o ódio, racismo,a homofobia e a xenofobia entranhados nas suas mentes e corações. A mídia corporativa (Globo à frente), organizações empresariais (a FIESP, especialmente, mas não podemos esquecer dos irmãos Koch e de Jorge Paulo Lemann), partidos de oposição ao governo petista (PSDB, DEM e PPS na linha de frente), o capital financeiro (Bradesco e Itaú e mais algumas do Brasil e do exterior) e o Colégio Militar, entre outros, contribuíram para gestar as condições político e institucionais para que a banalidade do mal assumisse o ar de "coisa natural". Daí os pedidos pela volta da ditadura militar, de morte aos movimentos sociais e de suas lideranças, do fim do PT ou das políticas sociais (cotas raciais, Bolsa Família etc.).

É a banalidade do mal que faz da Polícia Militar brasileira uma das mais truculentas policias do mundo. É ela também que faz com que o golpe de Estado no Brasil seja encarado e divulgado como algo normal. É o que faz com que a "Justiça" seja parcial e comprometida com o projeto político neoliberal. É o que permite a Gilmar Mendes atuar como um incendiário e não como um operador do direito. É o que fundamenta o massacre dos povos indígenas, como os Guarani Kaiowá, que crianças indígenas sejam queimadas ou assassinadas no colo da mãe. É o substrato que faz com que muitos(as) jovens sejam reacionários(as), preocupados(as) apenas com status e consumo. Tal como para Eichmann isso tudo é normal, natural aos/às que sucumbiram à banalidade do mal.

O medo quando manipulado se torna uma arma eficiente e poderosa nas mãos dos conservadores, autoritários e assassinos. E nas eleições que se aproximam isto vai ficar muito evidente. É só observar para além das aparências, das "normalidades".

terça-feira, 7 de junho de 2016

Reflexões abertas sobre as lutas sociais no Brasil.

Tenho lido muitas análises interessantes sobre as crises que assolam o país. Parlamentares, intelectuais, ativistas sociais, religiosos(as) e outros têm empreendido grande esforço para compreender o que realmente está acontecendo no Brasil, para além das aparências. E bem verdade que há também uma quantidade enorme de análises superficiais e mesmo idiotas, apresentando pretensas respostas - rasteiras, diga-se - sobre os processos sociais (no sentido amplo do termo) em andamento. Minha modesta contribuição visa tão somente abordar alguns pontos desse debate. Vamos a eles.

1. O discurso do desencanto.
Algumas pessoas se mostram desencantadas com os "movimentos sociais", principalmente com os sindicatos. Não obstante também incluem na cesta "os novos movimentos" que, segundo essa perspectiva, não têm rumo e nem programa. Tal narrativa questiona ainda a falta de lideranças. Ao meu ver esse ponto de vista não consegue perceber que estamos passando por um amplo processo de formação de novas lideranças, processo este que somente será mais bem percebido daqui a alguns anos com a maior experiência de quem está hoje na ocupação de prédios, terras e ruas. As crises que vivenciamos aceleraram essa formação. Uma nova geração de ativistas está sendo constituída. Todavia, e isto me parece muito importante, com base em referenciais qualitativamente diferentes de gerações anteriores. Questões como democracia, o fim do patriarcado, a incorporação da problemática racial, as lutas contra o preconceito etc., são elementos estruturantes do ideário em construção e/ou em afirmação. Há grande chance de termos adiante lideranças (homens e mulheres) mais sensíveis ao acolhimento das múltiplas identidades presentes na sociedade brasileira nas agendas das lutas coletivas (mulheres, indígenas, negros e negras, quilombolas, jovens de periferia, transgêneros, homossexuais, e muitos outras), melhor capacitadas para compreender a complexidade das lutas sociais e da necessidade de alianças estratégicas para a construção de um forte campo contra-hegemônico desde o plano local até o internacional, capaz de se contrapor ao bloco de poder que também incide nas diferentes escalas. A luta de classes não perdeu o vigor, mas sera "multicolorida".
Por outro lado, parece estar se consolidando um conjunto interessante de novas premissas que devem "dar o tom" do que serão as lutas sociais no nosso país. A ação em rede tem prescindido em muitos casos da formalização de instâncias. Algo que as mobilizações em andamento têm demonstrado é que a atuação em rede não exige necessariamente a formalização de uma instância - um fórum, por exemplo - ou mesmo de uma entidade/instituição para a ação direta. Isso é ruim? Há certamente pontos positivos e negativos nessa fascinante experiência. Uma questão relevante diz respeito ao poder. Um movimento social que questiona o poder, mas que não avança para estabelecer ao menos as linhas gerais do que se quer de novo tende a se esvaziar e envelhecer rapidamente. Este é um risco.
Outros elementos relevantes estão associados à comunicação (fundamentalmente com a sociedade), à rapidez na disseminação das informações (o uso criativo das redes sociais é um elemento valorizado), à articulação e à execução de ações. Estas obedecem códigos aos quais as "organizações tradicionais" ainda não compreenderam ou não internalizaram devidamente. Daí a sensação de que elas estão "paradas no tempo", se "burocratizaram". Não obstante, isto de forma alguma significa que os sindicatos e outros formatos de organização social estejam obsoletos. Uma questão: a ação em rede que se conforma no Brasil não têm o Estado como seu único ou exclusivo oponente. E este é um diferencial importante. As lutas no campo da cultura são bons exemplos de que o que se quer ultrapassa em muito os limites do Estado ("a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte") em que pese ele ainda ser um foco importantíssimo da pressão social. Outro exemplo: a luta contra o preconceito foca no Estado, mas ataca os fundamentos da própria sociedade e remexe cada indivíduo por dentro, em muitos casos expondo suas entranhas. Da mesma maneira as questões suscitadas pelo Bem Viver questionam não somente o modelo econômico, mas colocam em xeque as bases da nossa civilização - muito mais amplo e complexo do que a discussão sobre macroeconomia. É cada vez mais evidente a um conjunto crescente da nossa população de que vivemos numa sociedade capitalista - portanto, excludente -, racista, machista, homofóbica, misógina, colonial e que encara a natureza como algo apartado da cultura - como uma fonte de recursos naturais e de materialização do lucro. Como podemos perceber o discurso do desencanto é não somente uma visão derrotista dos processos sociais em andamento, quanto limitado para compreendê-los para além das aparências.

2. As mulheres "dão/darão o tom"
Não há mais como desconhecer: o feminismo adquiriu uma capacidade estupenda de mobilização e de sensibilização sociais. Daí o porquê dos ataques violentos que sofre do bloco de poder que hegemoniza nossa sociedade (mídia corporativa, bancadas religiosas no Congresso Nacional etc.). As feministas são atacadas porque incomodam, porque contribuem para dissecar o machismo em público, porque desvelam o falso moralismo, porque questionam profundamente as estruturas e as relações desiguais de poder.
O feminismo se impôs. Ele promove o debate generalizado nas salas de aula, nas rodas de conversa, nos locais de trabalho, na mídia. Desnuda o machismo dentro dos próprios movimentos sociais, das ONGs, das igrejas e dos partidos de esquerda. Além disso, o feminismo tem contribuído a um processo ampliado de reeducação. Os homens são cada vez mais impelidos a reverem suas posições, a mudar comportamentos. O fato de a violência contra a mulher ainda continuar sendo uma das nossas principais mazelas não desqualifica o que está sendo dito aqui. O aumento das denúncias sobre as múltiplas formas de violência contra a mulher é, ao meu ver, um importante indicador dessa crescente consciência social favorecida pelas lutas feministas. Creio que a tendência é que as mulheres e seus movimentos se consolidem enquanto um dos principais motores das mudanças sociais no Brasil nos próximos anos. Quem viver verá.


3. Povos indígenas e comunidades tradicionais: um longo caminho a percorrer.
Um elemento importante da estratégia de resistência desses atores sociais foi o de urbanizar as suas lutas. Isto é, levar suas demandas e interesses para dentro das cidades, para as instituições e pessoas presentes no espaço urbano, fazer a disputa no campo onde estão seus oponentes e (potenciais) aliados. Isto não é pouco. Mostraram uma capacidade construída a duras penas de romper com as amarras físicas (distância), de estabelecer suas plataformas políticas (sabem objetivamente o que querem) e estruturar sua estratégia comunicacional (dialogam com diferentes atores sociais e fortalecem seus próprios laços). Além disso, manejam como poucos o poder de incidir nas diferentes escalas. Isto ficou evidente quando num determinado momento diversos atores sociais de distintos países - como o Vietnã e a Alemanha - manifestaram-se ao mesmo tempo contra a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Contudo, parece que nós amazônidas empenhados(as) na construção de um bloco contra-hegemônico não conseguimos extrair desse fato os devidos aprendizados que, se sistematizados de modo qualitativo e posteriormente disseminados, poderiam nos ajudar no aprimoramento das nossas estratégias de luta. A beleza e a complexidade do que foi representado nesse gesto global de solidariedade diz muito do que devem ser as lutas sociais nessa etapa histórica do capitalismo globalizado.
Entretanto, o preconceito e o ódio pelas causas dos povos indígenas e comunidades tradicionais é muito forte na sociedade. Isto porque são política e ideologicamente (re)alimentados de diferentes formas, onde as ideias forças de progresso e desenvolvimento jogam papel crucial. Combater tais ideias não é fácil, pois estão entre os principais suportes do próprio capitalismo. Daí que o caminho para romper tais barreiras ainda será muito longo.

4. Os movimentos pela reforma urbana precisam se reinventar
A década de 1980 foi pródiga na mobilização das periferias urbanas. As lutas por saúde, educação, regularização fundiária, moradia, infraestrutura etc., ocorreram de ponta a ponta no Brasil. As mobilizações das organizações comunitárias como suporte importantíssimo das greves operárias que ocorriam no ABC paulista foi um fato marcante nessa história. Ao longo dos anos muitas lideranças foram presas e mesmo assassinadas.
Com o fim da ditadura civil-militar muitos desses movimentos se lançaram para garantir maior participação nas decisões governamentais, debates, execução e monitoramento de políticas públicas; pela criação de espaços de gestão colegiada (como os conselhos setoriais), pela democratização do orçamento, entre outras bandeiras de luta. Muitas conquistas aconteceram desde então. Todavia, há algum tempo se percebe que a agenda institucional passou a ter prevalência sobre as ações de mobilização e pressão sociais. As reuniões e os acordos se tornaram regulares. Muitas organizações passaram até a executar elas próprias algumas ações de governo, particularmente na área habitacional. A proximidade com o aparelho do Estado se tornou tão forte que qualquer alteração na correlação de forças, como a que estamos vivenciando neste momento com a interinidade do golpista Michel Temer, repercute imediatamente no interior de tais organizações. A continuidade dessa estratégia tende a levá-las a um envelhecimento precoce. Entre outros motivos porque a "intimidade" com as forças que controlam o aparelho do Estado tende a ser utilizada por determinados grupos internos das ditas organizações para a resolução de conflitos existentes nelas próprias, ou mesmo nas disputas com outros movimentos sociais. Nesse caso, ganha "quem tem bala na agulha". Ou seja, quem dispuser de múltiplos recursos para esse enfrentamento (humanos, materiais, financeiros etc.).

5. Por fim....
Outros itens importantes nesse debate diz respeito à relação entre a academia e os movimentos sociais, bem como as problemáticas suscitadas pelas crises ambiental e climática. Mas isso será objeto de uma outra postagem.
Abraços.

sábado, 23 de abril de 2016

O PT e os erros não reconhecidos.

Primeiramente vamos limpar o meio de campo. Se você apóia o impeachment, mesmo sabendo que não foi configurado crime de responsabilidade contra a presidenta, sinto dizer-lhe: sim, você é golpista, por convicção ou por omissão. Há ainda a possibilidade de apoiar a destituição de Dilma Roussef por acreditar firmemente que determinado candidato ou candidata do seu agrado vai capitalizar o descontentamento da população e, quem sabe, se tornar o/a novo(a) mandatário(a) do país. Esta é, sem dúvida alguma, uma aposta perigosa, pois não há qualquer garantia de que a crise atual não resulte em um regime autoritário, não necessariamente uma ditadura militar. Aliás, de uns anos para cá temos vários exemplos de mobilizações sociais que não resultaram em regimes democráticos.

Em segundo lugar é preciso enfrentar alguns argumentos petistas. Grande parte da responsabilidade por tudo o que está acontecendo é sim do PT. Seu amoldamento às práticas patrimonialistas das elites políticas, suas alianças eleitorais - algumas espúrias - contribuiu para que hoje o Brasil tenha se tornado refém de uma quadrilha; além disso, não promoveu as reformas estruturais que o Brasil tanto necessita: não fez a reforma agrária, não democratizou os meios de comunicação e a propriedade, não taxou as grandes fortunas e não realizou a reforma política. Esta poderia ter evitado muitos dos transtornos porque passa nosso país.

Nesta semana vi pela internet uma foto dos anos 1980 em que estavam alguns dos fundadores do PT, entre eles o grande Manoel da Conceição, líder camponês do Maranhão. Quando lembro das alianças que o PT fez com a família Sarney, talvez a mais antiga casta de "coronéis" ainda atuantes no país e que controla boa parte do aparelho do Estado e das riquezas daquele estado, inimiga declarada dos(as) trabalhadores(as); e, ao mesmo tempo, das medidas que lançaram ao limbo partidário Manoel da Conceição e tantos(as) outros(as) petistas que se batiam contra a estratégia do partido para alçar o poder, fico com a sensação de que o PT realmente mereceu tudo o que está passando.

Defender o país do golpe em andamento não é defender o governo Dilma. Somente os/as petistas e alguns dos seus aliados relacionam uma coisa e outra. Uma parte considerável dos movimentos sociais e das pessoas que bradam contra o impeachment não pensa dessa forma. Para estes o PT deve sim explicações ao país. Contudo, chama atenção o discurso vago petista "sim, erramos, precisamos reconhecer", mas que nunca deixa explícito que erros estão sendo realmente reconhecidos. Não, não podemos aceitar tal postura. O por quê? Porque toda a esquerda está sendo alvo da extrema direita. Esta não quer somente tirar o PT do poder. Pensar dessa forma é deixar de fora o substancial: os apologistas da ditadura e seus aliados querem mesmo é destruir todas as forças de esquerda e progressistas deste país. É disso que se trata.

Os/As que contestam a estratégia petista adotada até aqui têm claro que não adianta o PT ficar no poder para aplicar uma agenda conservadora, da direita. Daí que em meio as mobilizações procura construir sua própria agenda política, econômica e social. Tal objetivo vai ser um dos nossos principais desafios.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Pingos nos "is".


  • A ordem democrática foi sim violada com a prisão arbitrária de Lula. Não há como negar a existência de um verdadeiro complô envolvendo setores do Congresso Nacional, do Judiciário e do Ministério Público; da mídia corporativa e de grandes grupos empresariais do Brasil e do exterior para retirar o Partido dos Trabalhadores (PT) do comando do executivo. Contudo, essa mesma ordem já vinha sendo violada pelo próprio governo através do uso da Força Nacional sobre os munduruku para garantir a realização de pesquisas para os Estudos de Impacto Ambiental (EIA), peça que se constituiu num mero rito formal para viabilizar grandes empreendimentos públicos e privados na Amazônia; da militarização das favelas cariocas e dos despejos forçados para a execução de obras de infraestrutura vinculadas às Olimpíadas; do uso da Polícia Federal para expulsar indígenas de suas terras no Mato Grosso e em outros pontos do país, como na Bahia; da aprovação da lei antiterrorismo que se tornou uma arma contra os movimentos sociais; do destroçamento da legislação ambiental para viabilizar os interesses do grande capital; do privilegiamento do agronegócio e da indústria extrativa em detrimento dos modos de vida de povos ancestrais, entre tantas outras situações de violação da ordem democrática.
  • Lutar contra o golpe capitaneado pela Globo não significa em hipótese alguma defender o governo petista. Isto para os que se colocam numa perspectiva socialista, de mudanças estruturais no Brasil. Defender a democracia e suas instituições é um compromisso de todos e todas realmente engajados(as) na construção de um país melhor. Além disso, é fundamental para garantir um campo adequado ao desenvolvimento das lutas sociais anti-hegemônicas, contra as desigualdades, por justiça socioambiental e pela paz. Portanto, para nós, o que está em jogo é muito mais do que a manutenção de um governo.
  • Se por um lado o discurso do ódio contra o PT e as forças progressistas e de esquerda tem resultado em ataques verbais e físicos por parte de grupos extremistas; por outro, respinga também nos partidos de oposição, principalmente o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que não tem conseguido capitalizar plenamente os descontentamentos – espontâneo e produzido – da população brasileira. Tal situação abre um flanco enorme para a aventura política e a busca por “salvadores da pátria”, como o próprio juiz Sergio Moro ou o deputado Jair Bolsonaro, este do Partido Social Cristão (PSC).
  • Infelizmente para a Amazônia a continuidade ou não do governo Dilma Roussef não altera substancialmente o papel da região no processo de acumulação ampliada do capital. O aprofundamento da conexão da Amazônia aos mercados internacionais, a instalação de complexos sistemas logísticos para dar vazão à exploração de seus recursos naturais, a violação continuada dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, a alteração de marcos legais para viabilizar a exploração e expropriação de territórios, a criminalização de movimentos sociais e de suas lideranças, a inviabilização financeira das organizações que se opõem ao modelo de desenvolvimento hegemônico e o combate político-ideológico a elas com base nos discursos do progresso e da ordem social, permanecerão como elementos estruturantes da ação do Estado e das corporações econômicas nacionais e transnacionais nesta parte do território brasileiro. O PT não romperá com essa lógica.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

As responsabilidades que não são nossas.

Sejamos sinceros: a oposição partidária de viés conservador não teria tamanho poder de influência no Brasil se não fosse a mídia corporativa. Tal oposição não tem base popular justamente porque não possui qualquer compromisso com a superação das históricas desigualdades que nos assolam. Por incrível que pareça o único partido que rumava para se tornar socialdemocrata era o PT, mas os caminhos seguidos por este podem não levá-lo nem a isso. As empresas de comunicação se constituíram no intelectual orgânico do fascismo made in Brasil. Elas pautam a agenda política nacional e definem as estratégias que serão adotadas em diferentes espaços de poder, particularmente no Congresso Nacional. Sem essa mídia PSDB, DEM, Solidariedade, PTB e outros estariam em maus lençóis. O PSDB, por exemplo, pode ser comparado a um quarto escuro com pessoas armadas de faca. Ninguém confia em ninguém e ao mais leve contato haverá ao menos um morto ou ferido.

A mídia corporativa se tornou uma máfia corporativa, cujos métodos para eliminar seus adversários matariam de inveja Al Capone. Ocorre que essa mesma mídia também se engalfinha e apresenta rachas internos por conta de distintos interesses comerciais, políticos e ideológicos em jogo. Exemplo disso é o conflito instalado entre a Globo e canais religiosos de diversas denominações (muitos pentecostais) pela audiência. Além disso, a internet tem contribuído ao crescente sangramento das TVs abertas, fazendo com que a troca de jabes, diretos e cruzados entre elas atinjam, inclusive, as partes sensíveis dos adversários.

O problema é que numa débil democracia como a nossa a ação da máfia corporativa contribui para aprofundar o definhamento das instituições e aumentar a descrença das pessoas na política. Aliás, a despolitização das política é parte constitutiva da estratégia de neoliberais e seus aliados para manterem-se no controle do Estado e avançarem sobre outros espaços de exercício do poder. Contudo, é preciso ressaltar também o papel desestruturante executado pelo PT para o sucesso desse empreendimento. Este levou a esquerda brasileira a uma situação muito difícil por conta da sua adesão voluntária às velhas e corruptas práticas para se manter no poder.

Enfrentamos os mesmos problemas estruturais da época em que se instalou a ditadura civil-militar no nosso país: não houve reforma agrária, não se distribuiu a riqueza, os meios de comunicação não foram democratizados e o poder continua concentrado, talvez como nunca antes na história do Brasil; e num planeta cada vez mais globalizado, onde o poder das transnacionais se tornou extremamente perigoso à nossa própria sobrevivência enquanto espécie. Estamos falando de 52 anos. Não é pouco. Quanto tempo até a retomada do vigor massivo da luta pela esquerda? Não é possível dizer. Mas a história é um livro em aberto...