segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O golpe no Brasil, o medo e a banalidade do mal.

Tempos atrás escrevi um post em que citava rapidamente o julgamento do nazista alemão Adolf Eichmann, julgado e condenado à forca por crimes de genocídio contra os judeus. A filósofa Hannah Arendt acompanhou o tal julgamento e acabou publicando posteriormente o livro Eichmann em Jerusalém onde aborda o episódio. O que o destaca das análises predominantes sobre o ocorrido é o perfil do nazista traçado por Arendt. Segundo ela, Eichmann não demonstrava caráter doentio. Não era um louco ou mesmo apresentava característica antissemita. Durante o julgamento Eichmann disse que apenas cumprira ordens superiores e que as seguiu fielmente porque, entre outros motivos, desejava ascender na sua carreira militar. Grosso modo, é justamente essa naturalidade com que o soldado expôs seus motivos para ter sido um agente ativo na morte de milhões de pessoas o que Arendt denomina de banalidade do mal. Para ela o mal é político e histórico, não é algo que faça parte da natureza humana. E o mal precisa encontrar as condições política e institucional para se manifestar com toda força. O próprio nazismo é o exemplo mais acabado disso.
Julgamento de Adolf Eichmann
Por que retomar essa perspectiva de Arendt sobre a banalidade do mal? Acredito que ela nos ajuda a compreender um pouco melhor o que está ocorrendo no mundo e no Brasil, em particular. O mal foi banalizado a tal ponto na nossa sociedade que para uma parcela expressiva da população a violência contra pretos, pobres, favelados, militantes dos movimentos sociais ou moradores(as) das periferias urbanas já não provocam comoção. Da mesma forma, os que controlam o aparelho do Estado e que concentram as riquezas o manuseiam de maneira primorosa para defender seus próprios interesses. Talvez isso nos ajude a entender, por exemplo, porque boa parte da classe média foi às ruas para defender o golpe de Estado em andamento no Brasil. As manifestações desses segmentos visibilizaram o ódio, racismo,a homofobia e a xenofobia entranhados nas suas mentes e corações. A mídia corporativa (Globo à frente), organizações empresariais (a FIESP, especialmente, mas não podemos esquecer dos irmãos Koch e de Jorge Paulo Lemann), partidos de oposição ao governo petista (PSDB, DEM e PPS na linha de frente), o capital financeiro (Bradesco e Itaú e mais algumas do Brasil e do exterior) e o Colégio Militar, entre outros, contribuíram para gestar as condições político e institucionais para que a banalidade do mal assumisse o ar de "coisa natural". Daí os pedidos pela volta da ditadura militar, de morte aos movimentos sociais e de suas lideranças, do fim do PT ou das políticas sociais (cotas raciais, Bolsa Família etc.).

É a banalidade do mal que faz da Polícia Militar brasileira uma das mais truculentas policias do mundo. É ela também que faz com que o golpe de Estado no Brasil seja encarado e divulgado como algo normal. É o que faz com que a "Justiça" seja parcial e comprometida com o projeto político neoliberal. É o que permite a Gilmar Mendes atuar como um incendiário e não como um operador do direito. É o que fundamenta o massacre dos povos indígenas, como os Guarani Kaiowá, que crianças indígenas sejam queimadas ou assassinadas no colo da mãe. É o substrato que faz com que muitos(as) jovens sejam reacionários(as), preocupados(as) apenas com status e consumo. Tal como para Eichmann isso tudo é normal, natural aos/às que sucumbiram à banalidade do mal.

O medo quando manipulado se torna uma arma eficiente e poderosa nas mãos dos conservadores, autoritários e assassinos. E nas eleições que se aproximam isto vai ficar muito evidente. É só observar para além das aparências, das "normalidades".

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