segunda-feira, 13 de abril de 2015

A falácia da integração da Amazônia.

Historicamente a Amazônia tem sido compreendida como uma região apartada do Brasil. Uma área que precisava e ainda precisa vincular-se ao restante do território nacional. Mesmo depois da proclamação da independência, em 1822, a Amazônia manteve contato regular com Portugal, diferentemente do que acontecia com a capital do império, o Rio de Janeiro. Por outro lado, a deflagração da Revolução Cabana (a Cabanagem) foi em grande medida uma ação contra o predomínio dos interesses portugueses, mesmo após a independência. Somente após a década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder e, especialmente, a partir da década de 1950, é que a Amazônia passou a fazer parte efetivamente das preocupações do planejamento governamental. A partir de então vieram o Banco da Amazônia, a Zona Franca de Manaus, a Belém-Brasília, a Transamazônica, a hidrelétrica de Tucuruí e outras grandes obras de infraestrutura. Também foram criadas facilidades de todo tipo para a instalação de empresas na região e o controle de vastas extensões de seu território a grupos econômicos do Brasil e do exterior.


Como cimento a moldar os discursos oficiais e a justificar as políticas governamentais está justamente a integração. Ocorre, porém, que a Amazônia jamais foi efetivamente integrada. O que ocorre ao longo da nossa história é a sistemática incorporação compulsória de parcelas da região às demandas mercantis exógenas à mesma. Não estamos diante de um mero jogo de palavras. Nós, amazônidas, não estamos sendo reunidos ao conjunto da nação, tampouco nos tornamos parte de algo inteiro, enfim, equilibrado. Nossa incorporação compulsória se dá em meio ao aprofundamento do fosso que nos separa das demais regiões do país. É uma incorporação que se dá através do aprofundamento do desequilíbrio. Os indicadores sociais amazônicos são terríveis, e mesmo as estratégias desenvolvimentistas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não resultam em melhoria substancial de tais indicadores. Características que nos foram impostas ao longo da nossa história continuam a se constituir em referências para as ações governamentais e empresarias nestas paragens: vazio demográfico, área pobre em capacidade empreendedora, atrasada, baú de recursos naturais, selvagens, preguiçosos etc.

Integrar, a meu ver, significa a constituição de novos parâmetros de relações, estas calcadas em pressupostos assentados na solidariedade, no enfrentamento das desigualdades, no combate às assimetrias, no respeito à diversidade dos modos de vida e de saberes, no fortalecimento da democracia e de suas instituições, no mútuo reconhecimento. Todavia, até hoje, nada foi feito neste sentido, seja pelos governos ou grupos econômicos. Então, é preciso desconstruir a falácia da integração da Amazônia. Até hoje temos sido tão somente o lugar muito, muito distante, bastante falado e mal conhecido, onde "tudo o que se planta dá", desde que seja exportado. Enquanto a Amazônia permanecer confinada ao Ministério do Meio Ambiente; os executivos, legislativos e judiciário  comprometidos com o atendimento dos interesses do grande capital e ser vista apenas pela ótica ambiental - e não socioambiental - poucas mudanças significativas efetivamente ocorrerão.

domingo, 12 de abril de 2015

A roda está girando....

Os segmentos conservadores da sociedade comandam atualmente a agenda nacional e explodem em discursos genéricos e inflamados contra a corrupção, o impeachment e a volta da ditadura militar no Brasil. Tais "bandeiras", porém, evidenciam que os setores envolvidos nessas mobilizações encontram-se também divididos internamente. Por outro lado, não podemos generalizar essas manifestações a ponto de caracterizar todas as pessoas envolvidas como fascistas. Isto porque há um expressivo contingente da população realmente frustrado com os rumos do país, inclusive parcela beneficiadas pelas políticas governamentais, mas que por diferentes motivos aderiram facilmente às estratégias golpistas das corporações midiáticas, de alguns partidos políticos - o DEM, o PSDB e o PPS, em particular -, do setor financeiro, parte do agronegócio e do judiciário etc.

Um fato positivo nesse processo todo tem sido a retomada do diálogo entre movimentos sociais, ongs e partidos políticos que se colocam contrários a qualquer retrocesso democrático em nosso país. Evidentemente, esses segmentos também apresentam divergências internas significativas. Contudo, é interessante perceber as variadas iniciativas em andamento que colocam lado a lado a diversidade das forças de resistência. Algo que não ocorria há muito tempo, ao menos na dimensão com que acontece hoje. Vide a mobilização da intelectualidade no debate sobre um novo projeto nacional, ou o conjunto de forças políticas que apoiam as lutas de povos indígenas e comunidades tradicionais em defesa de seus territórios. Quais os desdobramentos futuros dessas articulações? Irão resultar na constituição de novas frentes de luta? Estamos iniciando um novo processo de mobilização das forças populares de esquerda? Plataformas conjuntas de luta irão se consolidar? Ainda é cedo para responder afirmativamente. Mas a roda voltou a girar com mais força.

E nós amazônidas? Como nos colocamos nesse processo?

terça-feira, 7 de abril de 2015

Quem se deixa dirigir por verdades absolutas não se deixa incomodar por razões*

Recentemente meu filho me mostrou um diálogo realizado no grupo de whatsapp que congrega colegas do seu curso na universidade. O tema em questão era a proposta de redução da maioridade penal. O que chamava atenção era o caráter extremamente conservador dos argumentos, algumas vezes acompanhados de apologia à violência contra menores. Os participantes do dito diálogo devem estar na faixa dos 18 a 21 anos. Por que pessoas tão jovens aderem cada vez com maior facilidade a teses de cunho autoritário? Evidentemente não há uma resposta única a essa questão tão complexa. Vou arriscar algumas.

Uma das características desse momento histórico que vivemos - e não me refiro somente ao Brasil - é de afirmação de um pensamento que criminaliza a política. É o que alguns denominam de a despolitização da política. Segundo esse ponto de vista, a política é compreendida como algo suja, corrupta e que só causa males ao país. Daí alguns defenderem o fechamento do parlamento, a volta da ditadura ou a extinção de partidos políticos. A política, sob essa perspectiva, é reduzida à sua dimensão institucional, marcadamente as eleições em todos os níveis. Nesse caso, o próprio ser humano é esvaziado, já que este deixa de existir como ser essencialmente político e passa a ser encarado como um ente idealizado, abstrato, irreal, que pode viver em sociedade sem o exercício da política. Para a afirmação desta ideia na sociedade os meios de comunicação sob controle de oligopólios batem diuturnamente na tecla de que o Estado e seus agentes públicos são corruptos por natureza, e de que a luta social desencadeada por partidos de esquerda, movimentos sociais, grupos pastorais, ONGs e outros é realizada somente por conta de interesses mesquinhos desses "nada representativos" segmentos da sociedade. Tal ideia difundida ininterruptamente vai ganhando adeptos e agora irrompem em mobilizações fascistas. Ora, quem verdadeiramente se beneficia da despolitização da política? No Brasil, em vez de debatermos a mudança estrutural de nosso modelo de desenvolvimento - altamente concentrador, promotor de desigualdades e da degradação ambiental em larga escala - e de nossa representação política - onde as grandes corporações empresariais-financeiras é que verdadeiramente elegem a maioria das bancadas parlamentares e dos membros dos executivos -, onde o judiciário é o poder da República que se mantém impermeável à transparência de seus atos e ao controle social, bem como onde em vez de liberdade de imprensa temos somente a liberdade das empresas de comunicação, é mais fácil reduzir todos nossos males a esse ou aquele parlamentar, a esse ou aquele governante, a esse ou aquele partido. Nunca é demais lembrar que alguns dos piores regimes autoritários do século XX - o nazismo e o fascismo - conquistaram grandes massas de apoiadores a partir do uso inteligente do discurso criminalizador da política e de culpabilização de determinados segmentos sociais pelos males das nações (judeus, comunistas, socialistas etc.). Agora são os negros, os latinos, o islã, os árabes, os africanos, os menores de 16 anos etc.


A desconstrução da democracia é outro elemento a ser considerado no debate aqui proposto. De um lado, a democracia brasileira sequer foi capaz de nos fazer romper com determinadas estruturas herdadas de um passado não tão longínquo: a concentração da terra e da renda, o monopólio da informação e o controle da representação política. As disputas eleitorais no Brasil, por exemplo, parecem ter se tornado meras formalidades dado que o tripé citado acima permanece incólume. E agora, com um Congresso Nacional ainda mais conservador, essa situação tende a se agravar. De outro, presenciamos um esvaziamento político de instrumentos importantes de participação e de controle social (conselhos, conferências e outros), aliado ao fato de que há um fosso crescente entre representantes e representados(as), fazendo com que os últimos se sintam alijados dos debates e das decisões e, em consequência, desinteressados pela política; situação agravada com o pipocar constante de novos escândalos de corrupção. Apesar de não concordar inteiramente com a conclusão a que chega, vale citar o que escreveu recentemente o novo ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, sobre a questão da representação política no Brasil:

Representar não é só um expediente prático para nos dispensar, nós eleitores, da chatice que é ir a Brasília. Benjamin Constant, em 1819, fez o grande elogio liberal da representação: pobres fazem tudo pessoalmente, homens ricos têm quem o faça por eles. Representação é um conforto para o representado. O deputado, e até mesmo o ministro, seriam como despachantes. Antes fosse assim! Ele errou, em seu otimismo. O eleito não é um funcionário prestativo que faz o que lhe pedimos. Ele porta um cheque em branco que usa a seu arbítrio. Alguém votou no PT para ter o mensalão? No PSDB para ter o escândalo dos trens paulistas? Claro que não.
Que alternativas temos? Talvez só paliativas. Aumentar a transparência, diminuir a burocracia, ativar o prazer de estar com o outro... Um misto de medidas políticas e administrativas e até mesmo de terapia e autoajuda (Artigo Crítica à representação, Revista Filosofia, n° 104).
No Brasil, o que as elites dirigentes pretendem é estabelecer uma espécie de democracia pelo consumo. Portanto, algo perfeitamente assimilável pelo e através do mercado. Em si mesma tal perspectiva é excludente, pois jamais todos(as) teremos as mesmas condições de consumo numa sociedade capitalista, fundada justamente na reprodução infindável de desigualdades de diferentes tipos. E nem o planeta suportará a ampliação exponencial do consumo.

Outra característica é a metódica utilização do medo como arma de enfraquecimento e/ou desmantelamento da luta social, das opiniões divergentes e da oposição política. Com relação a isto talvez o melhor exemplo seja a guerra ao terror proclamada pelo ex-presidente Bush após os atentados contra as torres gêmeas, em setembro de 2001. Utilizando-se com maestria da comoção mundial, e particularmente dos estadunidenses, o establishment - em particular os falcões militares - dos Estados Unidos lançaram-se com ferocidade contra o Iraque sob mentirosos argumentos de que aquele país possuía armas de destruição em massa. Mais uma vez a mídia oligopolizada exerceu papel fundamental para angariar apoio mundial à estratégia de ataques preventivos presente na nova doutrina de segurança nacional do Tio Sam. No Brasil, um exemplo importante é o debate sobre a redução da maioridade penal. Em que pese todos os indicadores demonstrarem que o número de crimes cometidos por jovens abaixo de 18 anos ser muito pequeno, percentualmente insignificantes - como no caso do estado de São Paulo -, estes se tornaram o grande inimigo a ser combatido a fim de garantir "o bem estar e a segurança da sociedade". O medo empregado para impedir o debate sobre os verdadeiros problemas da criminalidade, e impedir a identificação dos responsáveis pela violência que assola as cidades brasileiras - entre as quais a corrupção, a sonegação, a concentração de renda, o racismo, o patriarcado, a despolitização da política, o modelo de desenvolvimento etc.

 Vivemos ainda numa democracia capenga que, entre outras consequências negativas, incute e fortalece nos jovens a ideia de que a política não leva a nada de bom. Por conseguinte, tornam-se alvos relativamente fáceis de setores avessos à própria democracia. E a forma como o debate acerca da maioridade penal foi realizada pelos amigos do meu filho é apenas a ponta do iceberg de um processo mais profundo e perigoso, pois relega valores fundamentais como a solidariedade e o direito à vida a um plano secundário, além de colocar em xeque o nosso sentido de humanidade.

* O título dessa postagem foi retirada do interessante artigo intitulado Ideologia para quem precisa..., do professor Flávio Paranhos (Revista Filosofia, n° 104).