quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Não estamos preparadas(os).

No último dia 05 deste mês as Polícias Militar e Civil do Pará apreenderam um carregamento de armas pesadas no município de Abaetetuba, este localizado na mesorregião Nordeste Paraense, a cerca de 123 km da capital, vindas provavelmente do Suriname para abastecer grupos criminosos que atuam no estado. Foi a maior apreensão de fuzis realizadas em solo paraense: 16 fuzis, sendo 13 calibre 556 e 3 calibre 762. Em agosto, a Polícia Rodoviária Federal apreendeu 75 kg de cocaína que seguiam rumo a São Luís, no Maranhão. Em outubro foram 50 kg de cocaína apreendidas em Abaetetuba. Por sua vez, em abril deste ano a Polícia Federal realizou ações em sete estados brasileiros contra grupos criminosos especializados no envio de cocaína para a África e Europa, utilizando-se de barcos pesqueiros para tal empreitada. No Pará, a ação desenrolou-se em seis municípios: Vigia, Curuçá, Abaetetuba, Ananindeua, Belém e Altamira. Com exceção da capital, os demais são pequenos e médios municípios.

Apreensão de armamentos em Abaetetuba (PA)

O fato é que os grupos criminosos com fortes vinculações internacionais estão não somente disputando os grandes centros urbanos amazônicos, como Belém e Manaus, mas também pequenos e médios municípios estrategicamente localizados ao longo do rio Amazonas e seus afluentes. O Pará e o Amapá são importantes nessa disputa entre os cartéis por suas proximidades com o Oceano Atlântico. Pequenos municípios até então pacatos agora são atravessados por conflitos entre gangues. Eles controlam vicinais e ramais, a circulação de pessoas e carros nas comunidades e entre as comunidades, impõem toque de recolher e a lei do silêncio, interferem nas eleições. Além disso, ameaçam lideranças comunitárias e suas organizações.
Amazônia: grande rota do tráfico
internacional de drogas.
Povos indígenas e comunidades tradicionais enfrentam as pressões de narcotraficantes de uma forma nunca antes vista. Isto porque tais grupos apresentam-se cada vez mais organizados e articulados, desde os territórios até o plano internacional. Hoje, há muitos casos de jovens indígenas, quilombolas e outros envolvidos(as) com o crime organizado e mesmo sendo assassinados(as) por conta de dívidas com o tráfico. Quando tais grupos instalam-se numa comunidade e/ou território os modos de vida alteram-se radicalmente. O medo se impõe. Até mesmo as lutas de resistência em defesa dos territórios coletivos/comunitários sofrem baixa significativa. A divisão nas bases é estimulada e acentuada.
Um dos grande legados do governo Bolsonaro foi ter contribuído para alçar o crime organizado existente na região a um outro patamar. Agora, presenciamos verdadeiros consórcios do crime juntando narcotraficantes, contrabandistas, milicianos, grileiros, garimpeiros ilegais, desmatadores e outros. Financiamentos cruzados fortalecem as redes criminosas, implementam/utilizam logísticas e rotas comuns, constituem redes de proteção com diferentes segmentos do aparato estatal.
Ou seja, a defesa dos direitos socioterritoriais de povos indígenas e de comunidades tradicionais tornou-se ainda mais complexa e estes segmentos encontram dificuldades para defenderem-se adequadamente do crime organizado. Aliado a isso, os Clubes de Tiro espalhados pela região podem estar servindo de base para o treinamento de criminosos.
Se já não bastasse a ação dos mercadores do clima e suas propostas de bioeconomia, mercado de carbono e outras mercantilizadoras da vida, as/os guardiãs(ões) das florestas, das águas, enfim, dos bens comuns, ainda têm que lidar com esse novo e tenebroso cenário, mas pouco ou nada se vê sobre tal questão nos debates sobre a COP-30, por exemplo.
A defesa da (Pan)Amazônia, de seus povos e dos modos de vida ancestrais aqui presentes também passa pelo resoluto enfrentamento dos consórcios do crime. Até mesmo porque tais consórcios são funcionais à livre ação destruidora do grande capital, dos conglomerados econômico-financeiros nacionais e transnacionais. Afinal de contas, a história do capitalismo é ela própria a história contínua do cometimento de crimes.

5 comentários:

Anônimo disse...

Que texto foda! Uma bela reflexão sobre os territórios em disputa e o avanço no argor-narcotráfico

Anônimo disse...

Excelente análise, Guilherme! Ver a juventude das periferias urbanas, dos povos originários e de comunidades tradicionais sendo cooptadas e mortas por esse outro fenômeno social, da interiorização das facções criminosas na Amazônia e, tudo que se perde com a morte dessas pessoas é triste, desafiador. Todavia, fica claro também o quanto o modelo de desenvolvimento pensado para a nossa região é desumano, desafiador e um gerador de graves e irreversíveis conflitos socioeconômicos e ambientais.

Anônimo disse...

Texto bastante esclarecedor e reflexivo. Aqui no município de Alenquer também tem ocorrido algumas ações, mas como envolve gente com o poder aquisitivo considerado razoável e alto pra nossa realidade, não se divulga nem nomes.

Guilherme Carvalho disse...

Obrigado.

Estela Márcia disse...

Gui, ainda ontem num debate sobre narcopolítica eu, saindo pensativa e entristecida pensava: a serviço de quem está o narco como mercado? a quem se alinham? se todos estiverem narcotizados quem alimentará o tal mercado... então, confesso que ainda estou meio perplexa e não consigo pensar em caminhos