A dinâmica das lutas sociais mudou completamente com a expansão da globalização capitalista neoliberal. Os obstáculos levantados por esse processo dificultam a resolução de problemas no âmbito exclusivamente locais. Mesmo questões básicas às áreas urbanas e rurais como a coleta e tratamento do lixo, por exemplo, não encontram soluções apenas nos estritos limites municipais. Ainda mais se tratando da Amazônia onde a maioria absoluta das municipalidades são completamente dependentes dos repasses de recursos estaduais e federais. Esse quadro fica ainda mais complicado no que diz respeito ao domínio de vastas extensões territoriais amazônicas pelo narcotráfico. Isto não significa de modo algum que as lutas locais perderam significado. É nos territórios que a vida encontra significados (no plural) e é a partir deles que a engrenagem das mudanças se movimenta. Todavia, boa parte das soluções somente serão alcançadas com a articulação em rede dessas mobilizações territoriais com as demais escalas - do local ao internacional.
Nossa realidade não pode ser pensada como um bolo que é feito de diversas camadas, uma sobre a outra. Não! O internacional está no local, o local no nacional, o nacional no regional e assim por diante. Se um dia já nos foi dito que a luta da classe trabalhadora é internacional, hoje, os atores sociais contestadores do sistema são múltiplos e precisam atuar nessas diferentes escalas, ao mesmo tempo. O fato é que qualquer organização que não esteja preparada para essa nova situação tende a sucumbir. Esta dinâmica serve para as lutas por saúde, educação, regularização fundiária, coleta e tratamento de esgoto, defesa da democracia, enfrentamento às crises climática e ambiental e outras mais.
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A vida passa por aqui.
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A realização da COP-30 na Amazônia contribuiu de
certa forma com processos já em andamento de construção de convergências entre organizações das sociedades
civis do Brasil e de outros países que almejam estabelecer objetivos e programas comuns de ação, compartilhamento de expertises e recursos.
É o caso, por exemplo, de iniciativas como a Cúpula dos Povos, o Movimento pela
Terra e Pelo Clima, a COP das Baixadas, a COP do Povo, o Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) e a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM).
São muitas as iniciativas
agregando a diversidade de atores sociais da região e de fora dela em torno de
redes (multi)temáticas: agroecologia, ambientalismo, reforma urbana, luta contra
o patriarcado, defesa dos direitos socioterritoriais de povos indígenas e comunidades
tradicionais, monitoramento do setor financeiro e de grupos empresariais, fortalecimento
da democracia e de suas instituições, entre outros. Todavia, profundas divergências
vieram à tona tendo como centralidade o debate acerca das alternativas às crises
climática e ambiental e ao modelo hegemônico de desenvolvimento. A relação da exploração do petróleo com a transição energética é um exemplo de problemática que muitas vezes coloca em posições opostas integrantes do campo progressista/contrahegemônico.
Por outro lado, os blocos hegemônicos de poder interessados em fazer
expandir o controle do grande capital sobre os territórios e seus recursos têm colocado
em prática uma das máximas da estratégia de poder/militar: dividir para governar. Nesse sentido, estabelecem parcerias com organizações da sociedade civil e desembolsam vultosos recursos às mesmas, realizam pressões de todo
tipo, ameaçam, destroem políticas públicas inclusivas, cooptam organizações de
base e suas lideranças e contam, inclusive, com a efetiva participação de
parcelas dos movimentos sociais e de ONGs, além de integrantes de instituições
de ensino e pesquisa. O “marketing verde” na mídia corporativa é outra dessas
ações, utilizando fartamente a imagem de figuras públicas que contam com a
simpatia de população. Isso tudo tem contribuído ao recrudescimento de divisões
no interior do campo progressista.
O momento atual apresenta condições adequadas para o estabelecimento de fortes e duradouras alianças em defesa da Amazônia e da vida no planeta. Mais do que nunca a constituição de uma Aliança dos Povos da Floresta é necessária. Chico Mendes continua vivo, atual. Uma poderosa rede desse tipo teria condições de atuar nas diferentes escalas, promover massivas mobilizações sociais e efetivamente atravancar o projeto destruidor capitalista neoliberal na perspectiva de outros modelos alternativos. Então, por que as grandes organizações da Amazônia brasileira não avançam nesse sentido? Quais obstáculos impedem o estabelecimento de alianças estratégicas? As possíveis divergências existentes impedem o alcance desse objetivo? É possível a mediação desse processo? Alguém se disporia a dar o primeiro passo?
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Chico Mendes: mais atual do que nunca. |
Em tese, ganhos de curto e médio prazos obtidos a partir de pressões, negociações e parcerias com o governo federal e/ou outras instituições não impedem a busca por alianças estratégicas em torno de um projeto contrahegemônico, de longo prazo. A questão é complexa e ao mesmo tempo simples: o capitalismo nos levará à morte, porque a morte é a mola que alavanca o sistema. A morte em vida, inclusive, de pessoas e/ou organizações.