quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

É logo ali.

Estamos vivenciando um momento bastante delicado. Isto porque ele se materializa enquanto um ponto de bifurcação histórico, daqueles em que as incertezas dominam o cenário. Há tantas possibilidades em aberto que fica difícil apreender adequadamente as consequências das decisões que estão sendo tomadas agora. Há aqui uma primeira questão a ser abordada: a política vem sendo diuturnamente atacada de diferentes formas justamente quando ela é mais necessária diante dos enormes desafios que se apresentam. A política aqui entendida como uma das ações humanas da mais alta relevância.

despolitização da política levada a cabo diuturnamente ao redor do planeta agrega, por motivos diversos, (i) a extrema direita e sua tentativa de impor regimes autoritários fundados no medo, na violência, no ódio, no individualismo exacerbado acoplado à destruição da perspectiva da universalização de direitos, bem como no completo repúdio à democracia e suas instituições, turbinadas pelo manuseio dos algoritmos e da inteligência artificial para atingir tal finalidade; (ii) os conglomerados midiáticos e segmentos encastelados nos aparelhos de Estado no uso do lawfare[1], da mentira e da manipulação como estratégia de destruição de adversários; (iii) setores religiosos conservadores que em nome de um suposto deus justificam a guerra, o armamentismo, os ataques a grupos minoritários, a violência contra mulheres, negros(as) e integrantes de distintas periferias (sejam moradoras de bairros populares, população de rua e/ou de países e regiões marginais do capitalismo), bem como demonizam as esquerdas e seus programas partidários; (iv) atores sociais diversos, inclusive do "nosso campo", comprometidos com a implementação de soluções de mercado às múltiplas crises porque passam nossas sociedades, que abrange desde a ideologia do empreendedorismo em substituição paulatina à noção de cidadania até às "alternativas" para as crises climática/ambiental, como o mercado de carbono. Em variados momentos do debate sobre as mudanças climáticas, por exemplo, a crença de que a tecnologia - eficiente e neutra - evitará o pior se apresenta concorrendo com as soluções pela política.

As bifurcações que se apresentam são fundamentalmente de três ordens. A primeira diz respeito justamente às crises climática e ambiental. As mudanças no clima demonstram de maneira muitas vezes trágicas que o capitalismo, este um dos resultados históricos das ações/decisões humanas, nos colocou diante da possibilidade concreta de desaparecermos enquanto espécie da face da Terra. Nossa desgraça está no fato de que o sistema capitalista não demonstra qualquer capacidade de efetivar mudanças estruturais que revertam tal situação. Pelo contrário, o que "os donos do mundo" buscam a todo custo é encontrar formas de lucrar com essas crises. Os acordos que estão sendo costurados seguem de alguma forma por esse caminho. Nossa perspectiva conflita com tal trilha e nos leva a parodiar uma frase que ficou famosa e dizermos que o problema não é a molécula de carbono e sim o sistema, idiota! Não consigo ver saídas duradouras nos marcos do sistema. A segunda, é a possibilidade de uma hecatombe (massacre de um grande número de pessoas, mortandade, carnificina) nuclear. Nunca é demais lembrar que a guerra sempre foi usual para a recomposição/redefinição dos instrumentos e das formas de exercício de poder. Mais uma vez nossa espécie estaria em risco de desaparecimento, assim como ocorreu com outras espécies ao longo da história do nosso planeta. A terceira está relacionada ao rearranjo geopolítico mundial. Guerras na Ucrânia e na Palestina, disputa feroz por recursos energéticos, BRICS, aliança estratégica entre China e Rússia, desdolarização das economias, Rota da Seda, crise da OTAN, ascensão da extrema direita, crise da democracia liberal e de suas instituições e outros eventos provocam abalos nas estruturas que antes se mostravam sólidas. Essa miscelânea de processos imbricados uns nos outros também tem potencial para provocar conflitos de grande magnitude.
A tendência que se apresenta com forte possibilidade é o da generalização das crises e de confrontos em larga escala. Porém, tendência significa a disposição por um determinado caminho. Não é algo taxativo. Aí é que entra a política. As decisões que tomarmos agora é que vão confirmar ou não essa tendência. Se depender dos "senhores da guerra" é a trilha predominante. A questão é: nós os/as anticapitalistas, antipatriarcais e antirracistas acumularemos força suficiente para impormos alterações de rotas que efetivem outras tendências?


[1] Lawfare é uma palavra-valise introduzida nos anos 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra na qual o direito é usado como arma. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos políticos. Vide o caso da Lava-Jato no Brasil ou das ações judiciais que poderosos grupos empresariais empregam para criminalizar movimentos sociais e/ou suas lideranças.


Um comentário:

Aluizio Solyno disse...

Vivemos uma encruzilhada entre as forças do capital e o destino da humanidade no planeta Terra. Historicamente o capital tem conseguido virar a mesa e contornar as crises cíclicas, controlando por outro lado a resistência popular.
Desta vez porém, com o aquecimento global, pode ser que um terceiro componente - a brutal força da natureza - faça pender a tendência de vitória para outro lado. Mesmo que isso venha por força de tragédias naturais, onde muitos sucumbirão. Inclusive os senhores do Capital.