Vivemos tempos perturbadores. A reflexão parece estar sendo paulatinamente varrida do mapa. Entramos na era das "torcidas organizadas", mesmo quando não nos referimos ao futebol ou outra modalidade esportiva. Há os que têm dificuldades para refletir sobre o que está ocorrendo já que a realidade não se adéqua às suas formulações teóricas, assim como há aqueles que simplesmente se recusam a pensar. Estes são os mais perigosos. Xingamentos, acusações, uso da violência verbal ou física tomam conta do cotidiano. Não basta vencer é preciso destruir o adversário, seja ele um candidato às eleições ou um time. Processo alimentado cotidianamente por diferentes segmentos, mas não há como negar o peso brutal da mídia corporativa para a consolidação desse cenário.
No Brasil, quem é contra o governo federal ou o PT são contra e ponto final. Não conseguem identificar qualquer avanço alcançado nos últimos anos, pois reconhecer isto pode representar um "ato de fraqueza". Neste campo encontram-se desde neoliberais às extremas esquerda e direita. Quem é a favor também age da mesma forma, negando o fato de que o PT se tornou efetivamente um partido da ordem, que abandonou bandeiras históricas da esquerda como a reforma agrária, a democratização dos meios de comunicação ou a distribuição justa da riqueza produzida. Estes também se tornaram perigosos porque buscam de todas as formas amortecer os movimentos sociais que lutam pela transformação estrutural da sociedade brasileira.
Nas décadas de 1920 e 1930, portanto, entre as duas grandes guerras mundiais, o clima também era "pesado". O avanço do totalitarismo, a perseguição às minorias, o belicismo escancarado - militar, na política e nas relações sociais -, a profunda crise econômica, as catástrofes humanitárias, a perda do glamour da noção de progresso, elemento político-ideológico fundamental na própria constituição do capitalismo, resultaram, entre outras consequências na renovação profunda do pensamento: a Escola de Frankfurt, a psicanálise, as contribuições de Fernand Braudel e de Antonio Gramsci, além de muitas outras. Contudo, esse processo de renovação reflexiva exigiu de seus formuladores que não se rendessem aos fatos, que fugissem do "efeito manada" e não se diluíssem nas "torcidas organizadas". Como nos diz uma certa análise do filósofo italiano Aganben, que eles não fossem completamente contemporâneos ao seu tempo.
Nosso tempo é o tempo da "guerra contra o terror", da mercantilização da natureza, da transformação do meio ambiente em ativos econômicos, da gestão neoliberal da segurança pública, da criminalização dos movimentos sociais, do poder incontrolável das grandes corporações econômicas, do descolamento cada vez maior do setor financeiro da economia real, do crescimentismo econômico como a nova utopia da esquerda, do neoextrativismo, do recrudescimento das ideologias totalitárias, da xenofobia etc. Ser contemporâneo desse tempo é, em suma, abandonar generosas utopias, crer que chegamos ao fim da história, é render-se completamente ao capitalismo e suas mazelas. Por isso não podemos estar acomodados - mentalmente, de modo especial - a estes tempos perturbadores que tentam sufocar a reflexão.
Todavia, é também o tempo do Buen Vivir, da luta feminista, da crescente capacidade de mobilização do movimento socioambiental, da afirmação de identidades e da solidariedade internacionalista, entre outros. A estratégia "torcida organizada" na política e em outras formas de relação social jamais será positiva para quem acredita que a história está em aberto, que vivenciamos um período espetacular de bifurcação histórica, onde todos os caminhos são possíveis, dependendo somente das nossas próprias decisões sobre para onde queremos seguir.