Estamos vivenciando um momento bastante delicado. Isto porque ele se materializa enquanto um ponto de bifurcação histórico, daqueles em que as incertezas dominam o cenário. Há tantas possibilidades em aberto que fica difícil apreender adequadamente as consequências das decisões que estão sendo tomadas agora. Há aqui uma primeira questão a ser abordada: a política vem sendo diuturnamente atacada de diferentes formas justamente quando ela é mais necessária diante dos enormes desafios que se apresentam. A política aqui entendida como uma das ações humanas da mais alta relevância.
A despolitização da política levada a cabo diuturnamente ao redor do planeta agrega, por motivos diversos, (i) a extrema direita e sua tentativa de impor regimes autoritários fundados no medo, na violência, no ódio, no individualismo exacerbado acoplado à destruição da perspectiva da universalização de direitos, bem como no completo repúdio à democracia e suas instituições, turbinadas pelo manuseio dos algoritmos e da inteligência artificial para atingir tal finalidade; (ii) os conglomerados midiáticos e segmentos encastelados nos aparelhos de Estado no uso do lawfare[1], da mentira e da manipulação como estratégia de destruição de adversários; (iii) setores religiosos conservadores que em nome de um suposto deus justificam a guerra, o armamentismo, os ataques a grupos minoritários, a violência contra mulheres, negros(as) e integrantes de distintas periferias (sejam moradoras de bairros populares, população de rua e/ou de países e regiões marginais do capitalismo), bem como demonizam as esquerdas e seus programas partidários; (iv) atores sociais diversos, inclusive do "nosso campo", comprometidos com a implementação de soluções de mercado às múltiplas crises porque passam nossas sociedades, que abrange desde a ideologia do empreendedorismo em substituição paulatina à noção de cidadania até às "alternativas" para as crises climática/ambiental, como o mercado de carbono. Em variados momentos do debate sobre as mudanças climáticas, por exemplo, a crença de que a tecnologia - eficiente e neutra - evitará o pior se apresenta concorrendo com as soluções pela política.
[1] Lawfare é uma palavra-valise introduzida nos anos 1970 e que originalmente se refere a uma forma de guerra na qual o direito é usado como arma. Basicamente, seria o emprego de manobras jurídico-legais como substituto de força armada, visando alcançar determinados objetivos políticos. Vide o caso da Lava-Jato no Brasil ou das ações judiciais que poderosos grupos empresariais empregam para criminalizar movimentos sociais e/ou suas lideranças.