terça-feira, 18 de junho de 2019

Comprometido com a morte.

Quando nos dispomos a analisar determinada conjuntura nossas preocupações giram em torno de estabelecermos as conexões entre os fatos (cotidianos e históricos) e as escalas (local, regional, nacional e internacional), identificarmos os interesses em jogo, compreendermos as correlações de forças. Tudo isso para chegarmos a determinadas conclusões que ajudem a nos posicionar no mundo. Logicamente o conflito entre as classes ganham realce nesse tipo de análise. Isto se você não for um positivista ou adepto de outra teoria próxima a ela.
Contudo, ao refletir sobre o governo Bolsonaro me vejo diante de questões que sinto irem além da estrutura de análise acima exposta. As medidas tomadas pelo executivo giram em torno da morte. É a dispensa do uso de cadeirinhas com cinto de segurança para crianças, a liberação da posse e do porte de armas, a destruição do sistema previdenciário, o corte de verbas para atender pessoas com necessidades especiais; o incentivo ao ódio contra LGBTs e moradores(as) das periferias, à invasão de terras indígenas e quilombolas, à depredação de áreas preservadas; a permissão para que policiais matem sem qualquer receio de serem julgados e condenados e a defesa de milícias, entre outras iniciativas.
Tenho lido muitas considerações nas redes sociais que identificam Jair Bolsonaro como um pessoa ignorante, burra, "sem noção" e outras menções pouco honrosas. Tais posicionamentos são compreensíveis diante de tantos absurdos cometidos em tão pouco tempo de governo, mas tenho dificuldade de concordar plenamente com as mesmos, acho-os limitados por desprezarem um aspecto que considero relevante.
Para mim Bolsonaro é um sujeito essencialmente mal, cujo objetivo fundamental é promover as mortes física e simbólica de expressivos contingentes da população não somente do nosso país. É um sujeito comprometido com a morte. O ódio que ele nutre por gays, lésbicas, indígenas, pobres, pretos(as), indígenas, favelados(as) e outros grupos sociais mescla as questões de classe, desequilíbrios emocionais, tendência homicida, mal caratismo, misoginia e racismo.
Jair Bolsonaro me faz lembrar a tese da banalidade do mal tão maravilhosamente explicitada por Hanna Arendt quando escreveu sobre o julgamento do militar nazista Adolf Eichmann, ocorrido em 1961. É o mal cruelmente naturalizado. Um homem que era capaz de ao longo do dia enviar milhares de pessoas para serem assassinadas nos campos de concentração e à noite sentar-se à mesa para jantar com a família depois de orar a Deus.
Bolsonaro também me faz lembrar de Achile Mbembe e o debate que ele realiza sobre a necropolítica. Nesta, um contingente enorme da população mundial não tem mais serventia alguma. O horror disso é que as próprias políticas governamentais são orientadas para dar cabo desse objetivo. Ou seja, de promover a morte em massa. Não é justamente isso o que faz o atual mandatário? Não é isso que vai acontecer com os velhos que dependem dos minguados recursos das aposentadorias? Não é a isso que vai levar a destruição do Sistema Único de Saúde (SUS)? Não é isso que irá se afirmar na sociedade com exclusão do acesso à educação como um direito de jovens pobres, indígenas, negros(as)? Não é isso o que nos espera quando a esperança for definitivamente capturada pelo medo?
A estrutura de análise da qual falei no início deste texto continua válida. Porém, estamos diante de um sujeito e um bloco de forças que é profundamente comprometida com a morte física, simbólica e institucional (não é isso o que está ocorrendo com a nossa frágil democracia?). Jair Bolsonaro é um mensageiro da morte. Um homem a serviço dela. Esta é a espinha dorsal da sua estratégia política e da sua perspectiva de mundo. Nunca esqueçamos disto.

4 comentários:

Renata Lins disse...

bem isso, Guilherme.
e a gente fica meio sem saber como agir.
força aí.

Estela Márcia disse...

Talvez comprometido com o matar. A morte é inexorável,mas o matar é decisao. E matar a memória é também forma de genocídio. Hj nao lerei mais nada. Foi suficiente!

Guilherme Carvalho disse...

Estela, muito pertinente a tua observação.

Tânia Miranda disse...

Não ele não é burro, talvez tenha um grau de insanidade. Mas ele não surgiu do vácuo. Ele compõe um corpus a partir de ideias, conceitos e problemas presentes em uma grande parcela da sociedade brasileira. Ele representa uma realidade reelaborada do fascismo que no momento servem para as necessidades políticas em questão. O ‘presidente atual’ para não falar o nome dele, reuni os vários fascismos, com as armas, ou mais ou menos semelhante ao “fascismos clássico” (o nacionalismo exacerbado, desprezo pela democracia, anticomunismo, irracionalismo, etc,) são precedentes do mesmo “caudilho” cultural e político, a diferença é ele não tem nenhum carisma, mas ele deu ‘unidade’ a essa grande crise que estamos vivendo. É um vírus dentro deste sistema – mundo que vive e sobrevive nas franjas da sociedade brasileira com práticas militares e conservadoras; moderna/colonial. Enfim...