domingo, 30 de outubro de 2016

Perdemos. E aí?

"Como explicar o fato de que, num dos momentos de maior ataques aos direitos trabalhistas, a direita que nos ataca, vence as eleições de ponta a ponta do país?". Essa pergunta foi lançada pelo meu amigo Marco Mota há alguns minutos nas redes sociais. As respostas dadas por algumas pessoas mostravam indignação, revolta, tristeza. Uma disse disse não entender o que está acontecendo. Outra afirmou que o resultado das eleições "é um caso patológico". Seja como for ainda teremos que dedicar muitos neurônios para compreender o que se passa em nosso país. Da minha parte indico de forma sumária, pois também estou sob o impacto das urnas, alguns itens para ajudar na reflexão:


Qual o rumo?
  1. Essa avalanche conservadora não acontece somente em nosso país. É um dos principais elementos do cenário mundial. Então, não há como entender o que ocorre aqui desconectado do processo de expansão acelerada do capital no planeta.
  2. Erramos quando analisamos o neoliberalismo numa dimensão estritamente econômica. O neoliberalismo não é só privatização, redução do tamanho do Estado ou desmantelamento das políticas sociais. Talvez mais importante que isso é o fato de o neoliberalismo consolidar um ethos na sociedade fundado na competição, no individualismo, nos contratos e na destruição da noção de solidariedade. Bombardeadas diuturnamente por esses ideias as pessoas assumem tal ethos como sendo a base das próprias relações sociais. E um programa eleitoral por mais bem elaborado ou apresentado nos meios de comunicação não é capaz por si só de reverter tal situação. Como alguém já disse certa vez o neoliberalismo é um fracasso macroeconômico, mas é um sucesso do ponto de vista político-ideológico. Portanto, a questão é bem mais profunda.
  3. A banalidade do mal. Esta reflexão apresentada por Hannah Arendt quando do julgamento de Adolf Eichmann após o fim da Segunda Guerra Mundial nos ajuda a compreender o porquê de a direita se sentir à vontade atualmente para expressar sua perspectiva racista, homofóbica, xenófoba, de perseguição às mulheres, de combate à diversidade. Boa parte da nossa sociedade vê as injustiças como algo natural, tal como Eichmann achava natural destinar milhares de pessoas para morrerem nos campos de concentração. Como ele afirmava, estava tão somente "cumprindo ordens". A naturalização da violência, da corrupção, da usurpação do poder (re)alimenta a banalidade do mal. É seu fruto e sua raiz ao mesmo tempo.
  4. O sistema político brasileiro está carcomido e precisa ser destruído e reconstruído em outras bases completamente diferentes.
  5. Um dos elementos da nossa derrota foi justamente a capitulação do PT a esse sistema político falido. O PT está sendo perseguido. Verdade. Contudo, não somente por seus acertos, mas fundamentalmente por conta de seus inúmeros erros. Ocorre, porém, que todo o campo de oposição de esquerda foi tragado para esse pântano.
  6. Ficou evidente que o discurso moralizador de cunho conservador e fascista tem muita força no nosso país.
  7. A captura do sistema político pelas grandes corporações econômicas fere de morte a democracia. Ou criamos novas formas de participação e controle social que não se resumam apenas a participação eleitoral, ou a sociedade sucumbirá em conflitos de grandes proporções sem que isso leve necessariamente a mudanças positivas.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Os capitalistas nos lembram: aprofundar a luta de classes é o seu programa.

Durante muito tempo o discurso conservador repetiu como um mantra a ideia de que a esquerda é quem promovia a luta de classes, que está somente existia por conta da atuação de grupos sociais avessos à democracia e ao diálogo. Tal argumento, incutido diuturnamente nas mentes das pessoas pelas escolas e outros aparelhos ideológicos do Estado; além dos meios de comunicação, instituições e demais instrumentos disponíveis aos capitalistas, serviu de base para perseguições, prisões e assassinatos de socialistas, comunistas, humanistas e libertários de diferentes matizes.

Ocorre, porém, que a luta de classes não é uma invenção, uma ideia ou devaneio de uma ou outra pessoa, de um ou outro grupo social. A luta de classes atravessa a sociedade. É material. Movimenta a história. Produz avanços e retrocessos. Aponta caminhos possíveis e produz incertezas. Destrói o velho, faz surgir o novo e retoma o passado continuamente. Não é algo que possa ser abolido, ou negligenciado. Todos e todas estão envolvidos(as), são sujeitos. Queiram ou não.

Entretanto, parte do que poderia ser denominado de esquerda acreditou que era possível alterar estrutural e profundamente a sociedade por medidas de conciliação, como se elas fossem capazes de suprimir a luta de classes. Foi assim com a experiência da II Segunda Internacional Socialista ao final do século XIX, tem sido assim em muitos governos chamados progressistas na atualidade. Portanto, ganhou musculatura a ideia de pactos envolvendo atores sociais com capacidade de poder diametralmente distintas. Um acordo entre o leão e a gazela, pra ficarmos nas referências do mundo não humano.

Eis que a burguesia brasileira resolveu romper o pacto de mediocridade e dizer em alto e bom som: Queremos tudo o que acreditamos nos pertencer e vocês nos entregarão por bem ou por mal, sem intermediários, sem complacência. A partir de então declarou guerra aberta. Foi um adeus à "guerra de posição". Agora é "guerra de movimento", de extermínio das conquistas sociais, de destruição da democracia, do desmantelamento do Estado, da subserviência completa aos ditames das forças do mercado - do laissez-faire, da criminalização dos movimentos sociais, do não reconhecimento de direitos, da imposição de padronizações, do desprezo à diversidade, do individualismo, da fé sem espírito, do rechaço à solidariedade; do lançar novamente milhões de pessoas à fome e impossibilitá-las do acesso à educação, ao lazer e à cultura.

A "esquerda" que já imaginava viver em outro momento encontra-se atônita: Como os empresários se puseram contra mim se no meu governo eles ganharam dinheiro como nunca antes? Como a Globo se tornou artífice do golpe se investi tantos milhões em propaganda? O problema é que a luta de classes nunca foi negligenciada por eles, nunca deixou de fazer parte do seu programa. É a execução deste que experimentamos em toda sua crueza.